terça-feira, 30 de julho de 2013

Novos terroristas: nem tão novos, nem tão terroristas

(Fernando Padovani)

Os atos de violência registrados recentemente em Boston e Londres têm ajudado a popularizar o termo “novos terroristas” para tipificar uma tendência de atentados praticados por militantes islâmicos contra potências ocidentais em seu próprio solo. Entre as características desta tendência estariam, além da motivação pelo ressentimento religioso, a escala individual e artesanal das ações, a conexão virtual com redes terroristas internacionais e a residência local dos militantes, entre outras.

Uma análise mais detalhada destes trágicos eventos pode, entretanto, sugerir algumas dúvidas sobre a validade desta caracterização, havendo espaço para o questionamento tanto da novidade como até mesmo da dimensão terrorista das ações. O ato de violência ocorrido em Londres esta semana seria um claro exemplo disso, pois, por mais desumana e trágica, e mesmo possuindo uma difusa motivação política e religiosa, a morte do militar britânico dificilmente poderia ser classificada como terrorismo, seja por não envolver a população civil indistintamente, seja por apresentar, até agora, remotas conexões com redes jihadistas. No atentado com panela-bomba perpetrado em Boston pelos irmãos Tamerlan e Johar Tsarnaev, que foi terrorista e antiamericano, ainda parecem incertas as ligações existentes com redes internacionais como Al-Qaeda e grupos militantes pela autonomia do Daguestão e da Chechênia. Ou seja, quando tratamos com atos de violência praticados por cidadãos muçulmanos é preciso atentar que algum deles podem não ser terroristas e outros podem não ser conectados à militância islâmica.

Quanto à modalidade de ação, esta poderia perfeitamente ser contextualizada dentro das já bem conhecidas tendências contemporâneas de fragmentação das militâncias, que se expressa por redes virtuais e institucionais que aproximam os que estão distantes e distanciam os que estão por perto. Além de fragmentada, esta militância pode ganhar traços de desespero quando motivada pelo sentimento de impotência, diante da diminuição das liberdades civis e do controle policialesco no plano doméstico, conjugada com situações de pesada intervenção realizadas através de grande poderio militar e tentativas de derrubada de governos, como atualmente se verifica na bacia do Mediterrâneo. O terrorismo muitas vezes é a guerra daqueles que não tem mais recursos.

Quanto às motivações, estes atos poderiam ser entendidos também no contexto de outros fatores, como um recorte menor dentro da onda generalizada de descontentamento e desesperança verificados nos Estados Unidos e, principalmente, na Europa, motivados pela longa recessão, inspirando atos de revolta e contestação generalizados, com ou sem ideologias e etnias, como as recentes ondas de saques em cidades europeias, ou mobilizações do tipo “End the Fed”, “Occupy Wall Street”, “Tea Party”.

Por fim, a tentativa de releitura póstuma destes atos, “terroristificando” e segmentando etnicamente elementos de uma volatilidade social genérica, no sentido de caracterizá-los como uma nova estratégia terrorista articulada, sempre conectada a uma rede internacional abstrata (que justamente ocupa o espaço vazio deixado pelo inesperado desaparecimento da ameaça da guerra fria), contribuiria para a restituição de inimigos externos visíveis, sempre úteis para a coesão interna em tempos difíceis.

A nova imigração para o Brasil

(Fernando Padovani)

Com a estabilidade da inflação aliada ao crescimento econômico, a renda cresceu no Brasil, como também o nível de emprego e o poder de compra, fatores que sustentam a elevação do nível de preços na economia. O Brasil está mais caro, mas os salários estão subindo também. Aliado com a real sobre-valorizado (em pelo menos 30%), tantos os preços como os salários estão altos em níveis internacionais.  Isso tem atraído imigrantes, tanto os que buscam remuneração elevada da venda como aqueles que buscam salários.

Além disso, há nichos específicos onde a demanda por especialistas é elevada, bem remunerada e não atendida por brasileiros, como na área de engenharias e petróleo. Também há a questão psicológica da “brasilmania”, com Copa e Olímpicos, que coloca o país no centro das atenções, o que contribui para aumentar a projeção e a simpatia que já era elevada antes. A associação do Brasil ao grupo BRICS, também contribui para a associação de imagem do país às grandes economias emergentes da atualidade, reforçando a percepção de perspectivas otimistas.

Todos esses fatores tem atraído uma nouvelle vague de imigrantes para o país, repetindo a tendência vigente até os anos 1920 (quando o país era um importador de mão-de-obra), e revertendo a tendência dos anos 1980, quando o Brasil passou a ser um exportador de mão-de-obra durante os anos da “década perdida”.

Pelo lado externo, essa tendência é reforçada pela crise econômica pela qual atravessa a Europa desde 2008, e a percepção de pessimismo ali instalada, elevando o interesse de investidores, executivos, técnicos, trabalhadores, estudantes e interessados de todos os estratos sociais. Uma nova onda de trabalhadores portugueses volta a entrar no país depois de 2008, a maior nacionalidade a procurar o país, seguido pelos espanhóis, bolivianos, paraguaios e chineses. Na Argentina e Chile também tem atraído grande número de imigrantes, seja paraguaios e bolivianos, mas também espanhóis, que ali já são 400 mil.

O país também atrai imigrantes de países que tradicionalmente não tem contato com o país, como dos países vizinhos, magrebinos, asiáticos, como chineses e coreanos.  Entre as novas colônias de imigrantes, o destaque é para bolivianos, angolanos e haitianos. A situação ainda está longe de estar fora de controle, pois a escala ainda é muito pequena. Por exemplo, a França anunciou uma política de expulsar 35 mil imigrantes em 2012, enquanto o número total estimado de haitianos vivendo no Brasil é de cerca de 4 mil pessoas. Mesmo assim, o governo brasileiro não parece estar preparado para controlar e monitorar essa situação, especialmente da imigração que não entra por aeroportos. O número de imigrantes legais cresceu 50% em poucos anos, passando de cerca de 1 milhão em 2009 para 1,5 milhão ao final de 2011, com cerca de 500 mil ilegais estimados, o que representa uma participação demográfica de cerca de 1% de estrangeiros no país.

O Brasil, o Papa e o Mundo

(Fernando Padovani)

      As agendas papais sempre ocuparam grande espaço mediático na sociedade do espetáculo. A agenda de um novo Papa, e de um Papa argentino, e ainda mais em sua primeira viagem internacional, deverá sem dúvida ocupar muitas páginas e telas pelo planeta durante a próxima semana. O que trará novamente o Brasil para o centro do palco do velho teatro das nações.

A exposição ocasionada pelos grandes eventos provoca, efetivamente, impactos no plano das percepções médias vigentes na sociedade internacional. Influi na composição do “marketing de lugares”, descoberto pela Modernidade globalizada. Contribui com informações quase subliminares que servirão de referência futura para a tomada de decisões, sejam em investimentos, financiamentos e consumo. Mesmo considerando que as percepções internacionais tendam a se alterar de maneira gradual e cumulativa, a presença de Francisco, por si só, deverá ser capaz de intensificar a curiosidade dos olhares internacionais.

Nesses momentos de exposição, e na condição de grande economia emergente, o Brasil deve ser observado com maior atenção em domínios tais como a sua capacidade de organização, de mobilizar sua ação coletiva, da operacionalizar suas infraestruturas, como transporte e comunicação, a capacidade de gerir riscos e segurança, mas também sobre a capacidade da democracia brasileira lidar com seus descontentes.

Um ponto importante envolvendo as questões de segurança é que elas existem. Tanto no plano externo como no interno. No plano externo, vários atenuantes de risco existem, relacionados à origem do novo Papa, geográfica e eclesiástica, gerando um certo descolamento da imagem do cardeal Ratzinger. Atenuantes também seriam certas características do país anfitrião, um pouco distanciado do circuito das grandes ameaças da segurança internacional. Mas como demonstra a observação dos problemas de segurança ocorridos na última década (como atentados), o inesperado e o imprevisto costumam criar janelas de oportunidade.

No front interno, as questões de segurança se relacionam aos radicalismos domésticos, pois o “efeito holofote” deverá voltar a pressionar os governos locais que, então, se tornam bem mais interessados na ausência de distúrbios. A exposição ao olhar exterior fortalece o poder de barganha dos movimentos que promovem barulho, em função da intensificação da demanda governamental por silêncio. Os governos locais “acusam o golpe”, reprimindo de maneira mais ativa do que o habitual. Dinâmica universal que se complica ainda mais no contexto de uma sociedade como a brasileira, que ainda está tentando definir os limites entre autoridade e autoritarismo.

Os movimentos democráticos que canalizam demandas sociais, na verdade, não representam uma ameaça à segurança. Mas sim certas iniciativas radicais isoladas que podem capitalizar os momentos de suspensão da ordem cotidiana. Fato interessante da psicologia humana mas também social: a abertura de uma janela para o mundo exterior geralmente causa impactos no comportamento doméstico.