quinta-feira, 2 de julho de 2015

Globalização e música

(Alberto Simantob)

Eles vieram de longe. Não tinham medo do que poderia acontecer no decorrer de sua história, só queriam poder correr atrás de seus sonhos e serem felizes. Essa é a história do grupo de rap israelense “Cafe Shachor Hazak” ou, café preto forte, em português. Mas o que eles têm de diferente das outras bandas do país ? O que têm de especial?

É muito comum em Israel a imigração de populações etíopes, já que existem grandes "tribos" judaicas na Etiópia. Como Israel é um estado judeu, muitas pessoas desses grupos sociais acabam imigrando para lá para tentarem a oportunidade de melhorar de vida. Hoje, em Israel, a comunidade de judeus etíopes já chega a 100 mil pessoas. Entre a juventude dessa comunidade de imigrantes, o rap se transforma cada vez mais numa referência de identidade cultural e orgulho étnico. Esse é o caso dos integrantes dessa banda que, apesar de nova, já encanta muitos israelenses com suas músicas irreverentes e com a mistura de ritmos.

O rap do Shachor Hazk dá continuidade a uma forte tradição do hip-hop israelense, popular desde os anos 1990 no país, acompanhando uma tendência mundial de globalização do rap e do hip-hop. Nomes como Yair Nitzani, Nigel Haadmor, Yossi Fine e sobretudo Liron Teeni estão entre os pioneiros do rap em Israel. O programa de rádio "Esek Shachor" (black business) iniciado em 1996 na rádio Galgalatz, a rádio do Exército, tornou-se imensamente popular, tocando raps e hip-hops cantados em hebraico e árabe. Na mesma época as bandas "Shabak Samech", Hadag Nakhas e "Subliminal" começam a gravar raps e hip-hops em hebraico, dando início à febre do rap em Isarel. A história da grande popularização do hip-hop e rap em Israel acabaria por se tornar num caso clássico do chamado fenômeno da "glocalização", a fusão de tendências globais incorporadas às culturas e tradições locais.

O grupo Schachor Hazak estourou em 2006, quando apareceu no programa "A star is born" da TV israelense, uma versão local do "American Idol", é composto por 5 jovens da cidade de Netanya, hoje, todos na faixa dos 20 anos, Moshe, Elakm Uri, Aviram e o líder Eli Ezra.
 
O mais interessante é que, apesar de morarem no Oriente Médio há bastante tempo, suas músicas não deixam de recordar as suas origens, na Etiópia. Com um estilo mais de rap americano, os rappers do Café Preto Forte conseguem mesclar três culturas em cada uma das canções, cantando em inglês, hebraico e amharic da Etiópia, preservando a influência original do ritmos das ruas americanas e incorporando de maneira inesperada a visão de mundo da juventude de Israel, os problemas do Oriente Médio, tudo temperado com os ritmos e a cultura da Etiópia.

O grupo dos meninos da periferia de Netanya acabou abrindo espaço para outros grupos de rap etíope, tais como o Axum e o Jeremy Cool Habash, consolidando uma tendência da música urbana israelense contemporânea.



Confira um pouco desta química sonora de três continentes composta pelo Cafe Hazak : 




Notícias : um produto à venda















(Rodrigo Stankevicz)

Nas primeiras décadas do Século XIX, as notícias passariam por transformações, semelhantes ao que a sociedade de então estava vivenciando. Com a expansão de novas tecnologias e a crescente industrialização dos grandes centros urbanos, a procura por notícias além-mar, tornou-se uma realidade concreta. As notícias que demoravam até 3 meses para chegar através das embarcações, ganharam nova tônica com a o telégrafo. Assim, as informações eram transmitidas de longas distâncias com confiabilidade e precisão. A partir destas transformações as notícias também foram afetadas e deixaram de ser opinativas baseadas na literatura e passaram a ser objetivas, factuais e baseadas nos fatos.

Neste contexto histórico de transformações urbanas e das comunicações, o visionário Charles Havas, em 1832, na França, cria a primeira agência noticiosa privada. Havas traduzia as notícias estrangeiras e vendia-as aos jornais franceses. Nascia um novo modo de pensar a notícia, esta se tornaria um produto valioso, já que o custo para conseguir uma notícia do exterior era alto. A padronização do texto jornalístico, baseado no lead e na "pirâmide invertida" abrangeu um número maior de pessoas e atendeu a precariedade do sistema telegráfico, já que falhas ocorriam, então as principais informações precisavam ser passadas em primeiro lugar. Mais tarde outras agências foram sendo criadas com a intenção de produzir matérias direto da fonte para redações espalhadas pelo mundo. Jornais uniam-se para pagar as despesas do transporte das notícias, tanto navios como telégrafos. A indústria jornalística via sua expansão cada vez maior, conglomerados jornalísticos nasciam, as guerras davam êxito às agências de notícias que cobriam as disputas por territórios e influência política.

Sendo assim, as empresas de notícias deparavam-se diante de elevadíssimas despesas em manter um correspondente próprio em outro país. O único recurso, para manter-se vivo num mercado cada vez mais competitivo, era aderir às agências noticiosas. Comprar textos brutos e lapidá-los nas redações tornou-se mais atraente financeiramente. Contudo, a dependência deste serviço aumentou, as redações foram ficando cada vez menores, os próprios conceitos éticos do jornalismo, como a imparcialidade, o contraditório, ouvir diversas fontes, etc, entraram em conflito com esta nova dinâmica. Desta maneira podemos questionar, até que ponto as notícias difundidas por essas empresas de notícias são baseada nos acontecimentos e até que ponto são narrativas ou versões interessadas ? E se realmente são bastante factuais, qual é o limite entre a "realidade" e os interesses políticos, ideológicos, econômicos envolvidos ? Esses limites estão em retração ou em ampliação na era da comunicação globalizada ? 

De certa forma, não é um exagero dizer que os grandes jornais de todo mundo ficaram um pouco reféns das agências de notícias. Hoje, cada vez menos as redações estão dispostas a investigar se realmente o que foi repassado pela agência condiz com minimamente com a realidade, ou se há versões alternativas relevantes, ou o quanto aquela notícia foi afetada pelo humor do correspondente, pela influência governamental ou pela ausência de uma verificação local. Atualmente, cada vez menos, os jornais e todos os demais meios de comunicação dependem de fontes de primeira mão, passando a depender de intermediários profissionais, as agências de notícias.

Nesse contexto, observamos o Mundo sob um prisma demasiadamente limitado. Lembre-se que apenas quatro grandes agências de notícias abastecem praticamente todos os principais jornais do Brasil. O que não deixa de ser um paradoxo, pois, na era da globalização da informação, com muito mais circulação de dados e informações, parecemos conhecer cada vez menos o Mundo. Somos informados sobre o que acontece no resto do planeta de acordo com um número reduzido de visões, emanadas por poucas agências noticiosas. São elas que terão maior autonomia para dizer o que é relevante e o que não é, quem são os bons e quem são os maus, segundo seus próprios critérios, preferências, visões de mundo, e cada vez com menos versões alternativas.

Uma guerrilha evangélica nas florestas de Uganda

(Bruna Freitas)

Aproximadamente 1,6 milhões de pessoas sofrem diretamente com os conflitos em Uganda, especialmente entre o governo local e os rebeldes do Exército de Resistência do Senhor (Lord´s Resistence Army - LRA), que já duram mais de 20 anos.

O LRA é um grupo rebelde liderado por Joseph Kony, e se originou no norte do Uganda como um movimento para lutar pelos interesses do povo Acholi. Entretanto, o movimento liderado por Kony tem perdido apoio nos últimos anos, passando cada vez mais a apelar a ataques contra civis inocentes. Sua ação mais notória tem sido o sequestro de crianças para compor seu exército rebelde. Expulsos do país pelo exército ugandês, os rebeldes do LRA estão agora espalhados por regiões da República Democrática do Congo, República Centro-Africana e Sudão do Sul, onde ataques brutais continuam acontecendo em vilarejos.


A origem deste movimento guerrilheiro data do início dos anos 1980, estando ligado ao "Movimento do Espírito Santo", conduzido pela militante Alice Lakwena. O movimento ganha força se beneficiando da insatisfação da população de Uganda que, então, enfrentava grande instabilidade política e econômica, por ocasião do fim do regime de Idi Amin Dada, no ano de 1979. A repressão ao movimento por parte do governo resulta no exílio de Lakwena. Entretanto, um homem que se dizia ser primo de Lakwena, chamado Joseph Kony, assumiu a liderança do movimento, rebatizando-o em 1986 como o Exército de Resistência do Senhor. Kony inicialmente declarou que a missão da LRA era derrubar o governo e governar Uganda com base nos Dez Mandamentos. Entretanto, nos anos de declínio da popularidade do movimento, o movimento de Kony passa a apelar ao recurso de raptar crianças para servir, compulsoriamente e sob ameaças, como guerrilheiros.

Uma ex-prisioneira chamada Monique fala sobre seus momentos de terror nas mãos desse grupo terrorista. Em 2009, então com 14 anos, ela foi capturada juntamente com outras cinco adolescentes quando o LRA atacou Duru, a aldeia onde viviam, na Província Oriental da República Democrática do Congo. Neste ataque, Monique teve seu pai assassinado. 

As meninas foram levadas para viver na selva e se tornam parte dos efetivos da guerrilha, o que incluía a prestação de "serviços sexuais" aos guerrilheiros do LRA, vivendo sob constante vigilância e torturas. Como lembra Monique, "eu me senti muito mal, pois eu ainda era virgem quando fui entregue aos guerrilheiros, pensei que iria morrer, ou que iria
passar a vida inteira como escrava do LRA..."

No ano de 2012, esse conflito separatista no norte de Uganda volta a ganhar evidência com a divulgação, pelo You Tube, de um vídeo chamado "Kony 2012". Esse vídeo se torna viral e, em apenas quatro dias, acaba sendo visualizado por cerca de 39 milhões de pessoas. O vídeo, produzido pela ONG "Invisible Children", fazia parte de uma campanha mundial de denúncia contra o movimento ugandês, reprovando a prática de utilização compulsória de crianças como soldados. Muitas celebridades aderiram à campanha, como Angelina Jolie e, Rihana, Lady Gaga e Mark Zuckerberg. Repercussões no Tweeter mobilizaram milhões de pessoas, ao redor do #stopkony. A dimensão viral da campanha gerou a arrecadação de milhões de dólares pela ONG "Invisible Children". A campanha pregava a prisão do líder Joseph Kony para que fosse julgado como criminoso de guerra pelo Tribunal Penal Internacional.

Entretanto, além desta grande mobilização mundial, o vídeo como a campanha geraram também muitas repercussões negativas. Alguns críticos alegaram que a ONG "Invisible Children" não era transparente quanto às origens dos seus fundos, gastando quase a totalidade dos imensos recursos doados em altos salários e viagens, em vez de promover alguma forma de repasse para as próprias vítimas do conflito. Outros críticos levantaram sérias dúvidas sobre a veracidade dos fatos retratos no vídeo, e a respeitada revista "Foreign Affairs" acusou a ONG de deliberadamente distorcer fatos em prol do sensacionalismo e da arrecadação de fundos. Outros ainda acusaram o apoio governamental americano no financiamento da ONG, coincidentemente ou não, pregava a ideia de intervenção militar americana na região.