segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Entenda a crise econômica na Grécia


Atualmente com 271 bilhões de euros de dívida, e sem alternativas atraentes, a solução menos pior para os gregos seria o acordo com seus credores


(Guylherme Marques Carvalho)

Com 320 bilhões de euros em dívidas ao longo dos últimos sete anos, a atual crise econômica na Grécia é resultado de mais de quinze anos de empréstimos tomados pelo governo grego para financiar seus gastos. Nos últimos anos, com as crescentes dúvidas sobre a sustentabilidade da dívida pública grega, apenas instituições públicas internacionais, como FMI, União Europeia e Banco Central Europeu, tem oferecido recursos para o refinanciamento da dívida grega, ou seja, contrair novas dívidas para pagar as velhas dívidas.

Esse círculo de endividamento começou nos anos 1990, quando amplos financiamentos foram feitos para mascarar a situação das finanças públicas gregas, com o fim de atender os requisitos econômicos para aderir à zona do euro. Mais tarde, com o otimismo do crescimento grego a partir de 2001, o governo do país expandiu de maneira otimista seus gastos. Hoje, a Grécia deve um valor equivalente a 177% do seu PIB, algo equivalente a 270 bilhões de euros, segundo dados apurados pela BBC. Ou seja, toda a riqueza nova gerada em um ano de atividade econômica na Grécia não seria suficiente nem perto para pagar todas suas dívidas.

Para entender melhor a situação grega, é preciso lembrar que muitos desses empréstimos feitos pela Grécia que começavam a vencer no ano de 2010 não tinham como ser pagos, em virtude da recessão econômica que vivia o país ter derrubado a arrecadação do governo. O enorme déficit nas contas do governo verificado a partir de 2010 levou o governo a uma situação de eminente calote. A crise de 2008 atrapalhou muito os planos gregos, derrubando a atividade econômica e, assim, a arrecadação do governo, complicando as opções para reorganizar o cenário econômico do país. A partir desse momento, começaram a receber ajuda internacional para refinanciar suas dívidas. Primeiramente, um pacote de 110 bilhões de euros foi liberado pelos seus credores institucionais, mas pouco tempo depois, essa quantia foi elevada para 240 bilhões de euros (aproximadamente 890 bilhões de reais). Nem mesmo essa quantia foi suficiente para a “rolagem” da dívida grega, uma vez que o déficit continuava a crescer (gastos crescentes e arrecadação decrescente). Com isso continuava a crescer também a necessidade de endividamento.

Por essa razão, a cada novo acordo de refinanciamento da dívida, seus credores acabam exigindo como condição um rígido ajuste fiscal. Algumas das medidas que estão sendo exigidas pelos credores incluem reformas para diminuir as despesas do governo e aumentar sua arrecadação, como, por exemplo, reduções de gastos com aposentadorias e aumento de impostos. De 1999 a 2007, os gastos públicos, de acordo com o Eurostat, aumentaram em 50% na Grécia, um aumento bem maior que o verificado em qualquer outro país da União Europeia.

E é nesse cenário que Alexis Tsipras, líder do partido de esquerda radical Syriza, entra em cena.




Tsipras foi eleito no começo do ano afirmando que não seriam necessárias medidas tão radicais para acabar com a crise e que diminuiria as medidas de “aperto” tomadas pelo governo anterior. Infelizmente, a crise só piorou desde a sua posse, com o aprofundamento da recessão, e a consequente diminuição ainda maior da arrecadação de impostos. Como os vencimentos das parcelas da dívida pública continuavam a ocorrer, Tsipras tinha diante de si duas alternativas, ou decretar a inadimplência, podendo ocasionar a saída da zona do Euro, ou aceitava novos empréstimos europeus, sempre condicionados a cortes dos gastos. Tsipras, por seu lado, exigia o perdão total da dívida grega. 

Diante dessa situação, o “premier” grego optou por convocar um referendo para saber a opinião da população, a respeito da aceitação ou não das condições dos credores para o refinanciamento da dívida. No dia 5 de Julho, 61,3% da população votou pelo NÃO. Alguns dias mais tarde, a Grécia se tornaria o primeiro país desenvolvido a dar um calote (de 1,6 bilhão de euros) no FMI. Entretanto, a situação da Grécia acabou ficando na mesma, pois a solução adotada pelo novo primeiro-ministro grego foi aceitar os novos empréstimos europeus, refinanciando a dívida naquele momento, e renunciando ao seu posto, em seguida, convocando novas eleições para o mês de setembro.

Caso o governo grego realmente adote a opção de dar calote nas suas dívidas europeias, isso poderá acarretar consequências políticas e econômicas importantes. Como de praxe, em todos os mercados financeiros, moratórias fecham o acesso a novos empréstimos. Sem novos empréstimos, o ajuste autônomo seria ainda mais intenso. A outra possível consequência, a saída da Grécia da zona do Euro (sem que isso gere necessariamente sua saída da União Europeia), também geraria drásticas diminuições de investimentos e financiamentos. A saída ainda afetaria diretamente o comércio exterior, revogando os privilégios comerciais entre a Grécia e demais países europeus, aprofundando assim os impactos recessivos sobre a economia grega.

Uma grande preocupação do governo grego é não paralisar o sistema bancário do país, permitindo que os bancos continuem com dinheiro tanto para movimentar a economia, como para os saques diários da população. Saques que, desde julho, foram limitados para 60 euros diários para impedir que grandes quantias fossem sacadas em um curto período de tempo, como aconteceu entre os dias 12 e 19 de Junho, quando cerca de 3 bilhões de euros foram sacados em uma única semana pelos cidadãos.





Além disso, a implementação de uma nova moeda na Grécia, não seria uma necessariamente uma boa ideia, pois ela já nasceria super-desvalorizada, acarretando um grande aumento da inflação e diminuição da renda e do poder de compra da economia grega. Ou seja, as consequências de uma saída grega apontam, quase todas, para o empobrecimento do país. Cenário causaria uma extrema insatisfação popular, o que poderia gerar revoltas violentas e uma possível queda de qualquer governo que esteja implantado em Atenas.

Do ponto de vista da União Europeia, o perigo da saída grega seria o risco de um “contágio político”, pois se a saída da zona do Euro se mostraria uma opção viável (eventualmente até benéfica) para outros países europeus endividados como Espanha e Portugal, entre outros, que poderiam se inspirar no exemplo. Isso colocaria toda a estrutura da União Europeia em risco, pois o euro é e sempre foi o centro do projeto de união dos países e, até hoje, nenhum país abandonou esse projeto.

Mas a incerteza é a palavra que define a situação atual da Grécia. Uma saída da Zona do Euro e da União Europeia nesse momento seria uma jogada muito arriscada e que certamente traria mais malefícios que benefícios para o país. A Grécia não tem muito mais tempo para estabilizar sua economia, com mais e mais dívidas aparecendo e menos dinheiro entrando em caixa. O futuro do país, que foi berço da democracia, depende agora da vontade política e da criatividade dos líderes europeus.



Aumenta o desemprego e a inadimplência: entenda

(Maria Carolina Palhano)

A crise no cenário econômico brasileiro está se refletindo no aumento das taxas de desemprego e de inadimplência: o mês de julho apresentou a maior taxa de desemprego desde 2009 e a taxa de inadimplência mais alta dos últimos dois anos, de acordo com o IBGE e o BC, respectivamente.

​No mês de julho de 2015, a parcela desempregada da população economicamente ativa (PEA) subiu para 7,5%, contrastando com os 4,9% desempregados do ano anterior no mesmo mês. A taxa de inadimplência também subiu e chegou a 3,8% em todos os tipos de crédito- mas se for considerado apenas a taxa de calote, o número aumenta para 4,8%, o maior em 2 anos.


Gráfico da linha do desemprego 
ao longo dos meses de julho desde 2002. 
Fonte: IBGE

A crise econômica brasileira tem suas raízes na crise internacional de 2008. A partir daquele momento, para evitar que o país fosse afetado pelos reflexos do cenário mundial, o governo brasileiro aumentou suas despesas, ou seja, sua política de gastos, parte do que se entende por “política fiscal”, para manter o nível de consumo da economia. A política fiscal se refere aos meios que o governo tem para arrecadar impostos e controlar gastos. Na conjuntura da crise econômica mundial de 2008, visando o crescimento econômico brasileiro, a política implantada foi de aumento dos gastos públicos, o que gera novos empregos e aumenta o crescimento do PIB.

O problema é que muitos destes gastos não foram somente de curto prazo, sendo fixados de maneira permanente, como no caso dos aumentos de salários de servidores públicos, benefícios pagos pela Previdência Social, programas sociais de grande popularidade, além de isenções fiscais de grande conveniência política, como a tributação de energia elétrica, combustíveis e setores industriais “estratégicos”, próximos ao governo. Isso iria gerar a partir de 2014 um desequilíbrio nas contas públicas no momento em que a economia reduziu ainda mais seu crescimento, entrando em recessão a partir de 2012. Com a economia em recessão, a arrecadação de impostos diminuiu na mesma proporção, causando um descompasso entre compromissos assumidos em momentos de maior otimismo e a realidade de uma receita declinante. Assim, pela primeira vez desde 2001, as contas do governo passaram a ficar no vermelho a partir de 2014.

Além das ameaças à sustentabilidade da dívida pública, o descontrole das contas públicas tem um poderoso efeito inflacionário. Efetivamente, o índice de inflação tem atingido patamares recordes, com estimativas de atingir 10% em 2015.

Na tentativa de resolver esse problema e combater a alta inflação, o governo tem tentado implantar uma política fiscal restritiva, baseada na diminuição dos gastos e aumento dos impostos, objetivando sobretudo controlar a inflação. Porém, além da ineficiência dos cortes de gastos, não parece haver muito mais onde se possa cortar sem prejudicar áreas importantes, como Saúde, Educação e até mesmo obras de infraestrutura que estão sendo realizadas. Outro revés dessa estratégia está na tentativa de aumento da arrecadação, pois com o encolhimento da economia, encolhe também o total da arrecadação. E para as empresas, que acabam pagando mais impostos, o efeito é negativo, pois isso acaba encarecendo os custos de produção e, assim, os preços finais ao consumidor, diminuindo o lucro, os investimentos e podendo até aumentando as demissões.

Rodolfo Dias, de 21 anos, era programador em uma empresa, mas agora está desempregado. De acordo com ele, a sua demissão deu-se pela empresa não conseguir arcar com todos os custos, numa situação de menores vendas. Rodolfo hoje faz parte do grupo de cerca de 1,8 milhão de pessoas desempregadas segundo os dados apresentados pelo IBGE. O tamanho desse grupo é alarmante, pois, após 3 meses, a pessoa demitida não possui mais renda, deixa de contribuir com o PIB, podendo engordar as crescentes taxas de pessoas físicas inadimplentes.

Como não há mais onde cortar sem prejudicar áreas essenciais como Saúde e Educação, o governo tenta alternativas para a diminuição de gastos, planejando ações como cortes de alguns ministérios e diminuição de cargos de confiança, mas ainda assim sem uma perspectiva otimista. Sabendo que não há forma indolor de empreender um ajuste fiscal, é preciso criar a estratégia menos prejudicial à população para impedir o avanço da crise econômica, do desemprego, endividamento e, consequentemente, de uma possível nova onda de inadimplência.

Ajuste fiscal: colocando o Brasil de volta nos trilhos

(Wille Eduardo Pita)

A economia brasileira vem encolhendo nos últimos anos, porém, os gastos públicos do Governo não apresentam a mesma tendência. Pelo contrário, cada vez crescem de maneira mais rápida. Em 2013, a divida pública alcançou 2,3 trilhões de reais. Em 2014, as contas do governo apresentaram um deficit pela primeira vez desde 2001. A solução mais óbvia e adequada para as contas voltarem ao AZUL seria empreender um ajuste fiscal rigoroso, que, assim, conteria os dispêndios governamentais excessivos praticados no Brasil.

O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, prometeu, no começo do ano, poupar cerca de 66,3 bilhões de reais para os cofres públicos, cerca de 1,1% do Produto Interno Bruto (PIB). As medidas não foram bem vistas por parte da população, ainda mais num contexto pós-eleitoral, o que contribuiu para aumentar o pessimismo em relação à presidente Dilma Rousseff e ao partido de sustentação de seu governo, o Partido dos Trabalhadores.

Restrições à pensão por morte, auxílio-doença, acesso a direitos trabalhistas foram as algumas das opções do atual governo para começar o corte das despesas públicas. Os programas “Minha casa, Minha vida” (MCMV) e “Bolsa Família”, que são os mais populares do atual governo, deverão ser mantidos e não terão ajustes, confrima a ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campello.

Entretanto, o caminho ideal que tinha sido traçado no começo do ano, passou por contratempos relevantes. Em julho deste ano, o atual ministro da Fazenda, reduziu a meta do superávit primário, indo de 66,3 bilhões para 8,7 bilhões. Uma queda de mais de 50 bilhões de reais. Um dos maiores obstáculos do atual governo para o cumprimento das metas anunciadas em janeiro foi o terrível desempenho da economia brasileira no início do ano, fazendo com que a arrecadação de impostos fosse reduzida drasticamente, uma vez que o desempenho da arrecadação é diretamente influenciado pela geração de renda na economia. Em julho de 2015, registrou-se uma queda de 1,9% do PIB brasileiro, em comparação com o mesmo mês do ano anterior. Diante desse cenário negativo, a equipe econômica cogitou até o retorno da CPMF, um imposto adicional sobre as movimentações financeiras, como uma medida de última hora para ajudar a fechar as contas do governo. Porém, a proposta já foi abandonada pela presidenta Dilma Rousseff, em função das reações negativas no Congresso e na opinião pública.

A situação incerta tanto da economia como das contas do governo tem aumentado ainda mais a desconfiança que cerca o Brasil no momento. Os investidores estão cada vez temerosos de investir no país, uma vez que aumenta a incerteza de apostar o seu dinheiro em um país de inflação elevada, recessão técnica, descontrole das contas públicas e até risco de inadimplência da dívida pública. Diante da incapacidade de cortar os gastos, o governo do Brasil “brinca” com a sua nota de crédito, as avaliações de risco sobre o endividamento do país atribuída por agências internacionais de classificação de risco. A agência de risco Standard & Poor´s manteve a nota minima, o chamado “grau de investimento”, porém mudou o qualificativo de viés “estável” para “negativo”. Perdendo este “selo” de bom pagador, os muitos investidores deixariam de investir no país, deixando o investimento externo cada vez mais escasso no Brasil. Além dos impactos negativos na economia real, isso também obrigaria o governo a elevar os juros pagos pelos seus títulos da dívida, o que encareceria ainda o serviço da dívida e, assim, os gastos do governo.

O atual momento da economia é delicado. O ajuste fiscal deveria ser praticado de maneira mais eficaz, o governo tem que precise urgentemente restringir a “festa” dos gastos públicos, elemento essencial para estabilizar a inflação e voltar os tão necessários investimentos externos. Assim, os trilhos poderão apontar para a estação do crescimento, de novo.

O Fundo de Financiamento Estudantil e seu contingenciamento

(Nathalia Rodrigues)

O FIeS, criado em 2002 para aumentar as matriculas no ensino superior, tem conhecido ao longo do ano de 2015 severas limitações, em função da crise fiscal do governo federal. Estima-se que milhares de estudantes têm deixado de ser atendidos pelos cortes no programa.

Estes cortes, que chegam a R$ 22,7 bilhões, são fruto de um conjunto de medidas de ajuste nas despesas do governo federal. Os problemas orçamentários enfrentados pela administração federal não fogem das capas dos jornais, assim como o fato de ter sido o Ministério da Educação o que sofreu o maior corte, de mais de R$ 7 bilhões.

Com um ensino deficiente e desigual, caracterizado por um grande déficit de vagas nas universidades públicas, os estudantes brasileiros acabam necessitando de auxílio financeiro para ter acesso ao ensino universitário, caso o país deseje aumentar a sua população universitária. Uma das maiores contribuições para o financiamento do ensino superior ficou conhecido como Fies, o Fundo de Financiamento Estudantil. O programa do Ministério da Educação foi criado pela Lei no. 10260, de 12/072001 e financia cursos superiores não gratuitos e com avaliação positiva no Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes). O Fies tem, no entanto, passado por problemas e mudanças no atual governo e seus contratantes vivem incertezas.

Em acordo com a política de expansão da educação superior, o Fies é um dos principais meios para aumentar o acesso e permanência dos jovens à educação superior com o objetivo de diminuir a desigualdade no país. A inscrição, no entanto, é limitada apenas a estudantes que não concluíram o curso superior, que possuam uma renda familiar mensal bruta, por pessoa, de até dois e meio salários mínimos e que participaram de alguma das edições do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) a partir de 2010 e obtido uma nota mínima de 450 pontos na média das provas e nota na redação que não seja zero.

Com as limitações impostas ao programa, o ano de 2015 tem se caracterizado como bem mais complicado do que os anos anteriores, em termos de financiamento ao ensino superior. Totalizando até o momento cerca de 252 mil contratos, o programa conta com menos da metade dos contratos registrados no primeiro semestre do ano passado, regredindo para os patamares vigentes em 2011, como demonstra o gráfico sobre os resultados dos últimos 5 anos.





O contrato atual possui quatro condições: a primeira é que a taxa de juros seja de 6,5% ao ano; a segunda é que durante o curso, o estudante deve pagar, a cada três meses, o valor máximo de até R$ 150,00; a terceira é que após a conclusão do curso, o estudante terá 18 meses de carência para começar a pagar o financiamento; a quarta e última é que encerrado o período de carência, o financiamento pode ser pago pelo estudante em até três vezes o período financiado do curso.

Em relação às mudanças, no entanto, os atrasos em repasses de benefícios sociais e subsídios às instituições financeiras que mediam seu pagamento marcam grandes dificuldades para alunos e instituições inscritas. As escolas acusam o governo de manobra ilegal, quebra de contrato e calote. Criado em 2001, o Fies estabelecia que as faculdades do programa recebessem anualmente 12 parcelas mensais do governo em forma de títulos para que pudessem quitar impostos, de acordo com o valor das mensalidades dos alunos financiados.

No fim do ano passado, contudo, o governo federal determinou mudanças, por meio da Portaria 23, em que as entidades com 20 mil matrículas ou mais passaram a ter a emissão e disponibilização dos títulos em até oito parcelas anuais. Quatro a menos do que anteriormente. Apesar de mudança, as instituições continuam tendo de honrar com seus compromissos mensais, como salários, aluguéis e despesas para se manter em funcionamento, como contas de água, luz e telefone.

A disponibilização do financiamento e a desburocratização do processo de concessão, adicionado à diminuição dos juros e à ampliação dos prazos de carência, proporcionaram uma maior acessibilidade ao Programa. Dessa forma os objetivos de estimular a inclusão e a permanência dos jovens no ensino superior podem ser seguidos de alguma maneira, mesmo que para cada vez menos pessoas.



Desespero fiscal: a análise da “reciração” da CPMF

(Janinne Batista)

Para muitos, a CPMF, o imposto sobre transações financeiras, foi criado para financiar a Saúde e acabou sendo utilizado para outros fins. Entretanto, nos últimos dias o governo brasileiro tem discutido a proposta de “recriar” a CPMF, com a finalidade de cobrir o buraco nas contas do governo, verificado em 2014 e que deverá se repetir em 2015. O grande argumento do governo é que esse imposto, pela sua alíquota pequena, acaba sendo mais aceitável para as pessoas.

Quando o imposto foi criado, tinha uma alíquota de 0,25%, que incidia diretamente sobre todas as transações financeiras, e por isso foi apelidado de “imposto sobre o cheque”. Sua capacidade de arrecadar recursos foi tão grande que, no início, chegou-se a pensar que poderia até mesmo substituir o imposto de renda, já que era mais eficaz e gerava elevados recursos. Em 1999 a CPMF foi substituída pelo IOF, sendo elevado de 0,25% para 0,38%, conseguindo cobrir em grande parte a arrecadação perdida.

Ao preparar a proposta de orçamento para o próximo ano, o governo divulgou que o "rombo" para o ano que vem está estimado em R$ 80 bilhões. Uma das causas é o salario mínimo, que aumentará seu valor em 10%, causando grandes impactos sobre o gasto com pensões previdenciárias. Essa fórmula foi criada pelo próprio governo, em momentos de maior despreocupação orçamentária.

Muitos defendem o aumento da tributação sobre as transações financeiras por acreditar que o encargo maior recairá sobre os bancos, instituições de elevada lucratividade no Brasil. Mas, na verdade, acabará sendo pago pelos clientes dos bancos, onerando tanto consumidores como também empresários, que precisam da intermediação dos bancos para financiar projetos produtivos. Para compensar a impopularidade deste novo imposto, o governo acena com a possibilidade de isentar o PIS/Cofins da produção de computadores, tablets e smartphones.

Outros inconvenientes da CPMF é a sua aplicação indistinta sobre toda e qualquer operação bancária, assustando investimentos, desestimulando operações comerciais e produtivas e, sobretudo, impactando os assalariados, que recebem seu salario através do banco. Sendo um imposto de baixa sonegação, uma vez que automatizado pelos registros bancários digitais, ele acaba sendo cobrado de forma igualitária em todas as camadas sociais, fazendo com que pequenos assalariados paguem o mesmo imposto que os milionários.

A hipótese levantada pelo ministro da fazenda Joaquim Levy, cita ainda que a alíquota do eventual imposto seria de 0,38%, a mesma cobrada anteriormente.

De acordo com o ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão, Nelson Barbosa, na apresentação sobre o seu projeto do orçamento do ano que vem, falou que a equipe econômica propõe cobrar IOF sobre operações de crédito do BNDES, e revisar o Imposto de Renda sobre o direito de imagem. Sendo que essa última medida atingirá principalmente, jogadores de futebol e artistas.

Todas essas discussões sobre a elevação de impostos têm como pano de fundo a grave crise econômica que vive o país, registrando baixo crescimento econômico, elevação da inflação e deterioração das contas do governo. Como a arrecadação de impostos está baixando, em função da recessão, e diante da incapacidade do governo em reduzir suas despesas, as contas do governo (o Orçamento da União) têm registrado déficits nos dois últimos exercícios, agravando a situação do endividamento. A única saída parece ser mesmo esta que tem sido adotada pelo governo federal nos últimos meses: uma corrida desesperada para diminuir gastos e aumentar a arrecadação. Por isso ideias desesperadas como a recriação da CPMF tem sido propostas pelo governo.

CPMF é a solução ?

(Ana Luiza Vasconcelos)

A proposta de recriação do CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira) foi rejeitada pelo Governo Federal, neste último sábado (29 de agosto de 2015). O projeto tinha como objetivo arrecadar fundos para financiar a Saúde, porém, diante da reação negativa do Congresso e da opinião pública, a presidente Dilma Rousseff desistiu do projeto.

O imposto foi criado em 1993 com o nome de Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira (IPMF) e extinto em 1994. Entretanto em 1996 voltou à pauta do Governo, o CPMF surgiu com uma alíquota de 0,25% e permaneceu em vigor até 1999 quando foi prorrogado por mais 36 meses (3 anos) com uma nova alíquota de 0,36%. Durante o Governo Lula, o imposto era visto como uma importante ferramenta contra a sonegação de imposto, porém, finalmente em 2008, foi extinto, causando uma perda de arrecadação do governo de cerca de R$ 40 bilhões.

A discussão sobre a criação de um novo imposto aparece no contexto dos problemas econômicos vividos pela economia do país nos últimos anos. Devido ao alto índice de inflação registrado ao longo do governo Dilma, tendo previsões de atingir o seu maior patamar desde 2003, segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA (algo em torno de 9 ou 10% em 2015), a política fiscal do governo tem incorporado medidas para desaquecer o consumo, com intuito de recuperar a estabilidade dos preços da economia, além de manter o nível de endividamento do governo num patamar sustentável. Assim, a implementação da CPMF, incidente especificamente sobre as transações financeiras, ajudaria o governo a arrecadar mais impostos e tentar equilibrar o orçamento público, deficitário nos anos de 2014 e 2015, o que não ocorria desde 2001.

A implementação de impostos sobre transações financeiras é muito criticada, seja por atingir da mesma maneira todas as transações e também por ser um elemento adicional de custo que tende a afastar aplicações e investimentos, diminuindo o nível de atividade do mercado financeiro. Além disso, impostos financeiros como o CPMF também são questionados em função de seu efeito cumulativo sobre os preços finais dos produtos manufaturados, uma vez que estes, na sua fabricação, necessitam de várias movimentações financeiras para chegar ao produto final, sendo cobrado o imposto a cada etapa da produção. Desta forma, estes impostos financeiros acabam tendo impacto negativo sobre o setor produtivo.

Além das criticas econômicas dos produtores e investidores, há também a dúvida generalizada sobre a destinação dos impostos arrecadados. Diante da má gestão orçamentária, além da corrupção, verificadas nos últimos anos, muitos têm dificuldade de acreditar que novos recursos realmente trariam algum impacto positivo. Se, nem durante uma década de bonança orçamentária, o governo pouco fez para reverter a situação deplorável dos hospitais públicos, do atendimento precário aos pacientes, como acreditar que a elevação na tributação pretendida poderá, ainda mais em momentos de crise, poderá chegar à Saúde, o objetivo utilizado como justificativa.

Diante de tantas complicações e críticas, o governo brasileiro deverá buscar outras formas de arrecadar mais. Uma nova fórmula ou roupagem de “cpmf”, não está descartada.

domingo, 6 de setembro de 2015

O ajuste fiscal chegou ao seu bolso – a relação entre déficit público e a tabela do imposto de renda.

(Kyssila Clarkson)

A busca do equilíbrio do orçamento dos governos se dá através de um conjunto de medidas conhecidas como política fiscal, das quais fazem parte as tentativas de “ajuste fiscal”. No Brasil, o orçamento do governo federal registrou um déficit de 6,7% do PIB em 2014. Entre as principais causas desse desequilíbrio estão as elevadas despesas com a Previdência pública com o pagamento da dívida pública, esta última agravada pela alta dos juros dos títulos do governo verificada no último ano. Do lado das receitas, outros elementos complicadores também têm contribuído para a deterioração das contas do governo, como os resultados acumulados da prolongada desoneração fiscal praticada nos anos últimos anos, concedida pelo governo a grandes empresas, acumulando mais 100 bilhões de reais em perdas de arrecadação, o que vem se somar à natural queda da arrecadação, decorrente do baixo crescimento da economia. Esta situação de maiores despesas combinada com menor arrecadação provocou em 2014, pela primeira vez nos últimos 13 anos, uma situação de déficit primário. Situação que de se repetir em 2015.

Diante deste panorama, o governo brasileiro iniciou uma luta para reequilibrar seu orçamento, cortando gastos e tentando elevar a arrecadação. Para isso lançou as “medidas provisórias” (MPs) que reduzem o acesso ao seguro desemprego, a certos benefícios da Previdência e ao abono salarial. Embora reconheça-se que tais medidas causem impacto sobre os gastos do governo, esta mudança nas regras no seguro-desemprego e na Previdência provocam perdas na segurança social e nas conquistas em direitos sociais dos trabalhadores brasileiros. Aos trabalhadores, o governo diz que suas MPs são para corrigir distorções, mas ao mercado financeiro diz que as mesmas MPs são parte do programa de contenção de gastos públicos. No lado da arrecadação, para reequilibrar as contas públicas que registraram déficit primário inédito, p governo tem subido tributos sobre combustíveis, automóveis, cosméticos, empréstimos e sobre a folha de pagamentos.

Com o frágil crescimento econômico atual, a renda do trabalhador também está em trajetória de queda, o que enfraquece ainda mais a capacidade de arrecadação do governo, como demonstra a queda real na arrecadação de 4,4% verificada entre janeiro a março de 2015, em relação ao mesmo período de 2014.

Além disso, o governo publicou no "Diário Oficial da União" a lei que prevê um reajuste apenas escalonado da tabela do Imposto de Renda, que se encontravam bastante defasados há anos, aumentando a base de tributação sobre a renda. Novos valores estavam em vigor desde abril deste ano, estabelecidos por meio de uma MP, mas precisavam ser aprovados pelo Legislativo. Segundo o novo modelo, que tem correções diferentes para cada faixa de renda, ficarão isentos os contribuintes que ganham até R$ 1.903,98 – o equivalente a 11,5 milhões de pessoas. O reajuste de 6,5% na tabela valerá apenas para as duas primeiras faixas de renda (limite de isenção e a segunda faixa). Na terceira faixa de renda, o reajuste será de 5,5%. Na quarta e na quinta faixas de renda – para quem recebe salários maiores – a tabela do IR será reajustada, respectivamente, em 5% e 4,5%, pelo novo modelo. A intenção do governo é assim manter elevado o número de contribuinte e os valores do imposto de renda.

Se a tabela fosse corrigida em 4,5% para todos os contribuintes, que era a proposta inicial do governo, apenas quem ganhasse até R$ 1.868,22 não teria de pagar impostos, diminuindo o número de isentos. Com o valor de R$ 1.903,98, o número de isentos é maior. A nova tabela vale para o ano-calendário de 2015, ou seja, irá afetar o Imposto de Renda declarado pelos contribuintes em 2016.

Um reajuste maior na tabela do IRPF implicaria em uma renúncia fiscal maior para o governo, ou seja, menos recursos nos cofres públicos, o que compromete a corrida do governo contra a previsão de um orçamento público deficitário. A correção da tabela do IR em 4,5% neste ano, proposta original do governo, resultaria em um adicional de arrecadação de cerca de R$ 5 bilhões, segundo informações do Ministério da Fazenda. No lado oposto, um reajuste para toda a tabela de 6,5%, desejado por toda a população, implicaria em perdas de arrecadação de R$ 7 bilhões em 2015. A fórmula mista negociada pelo governo, com índices de reajuste diferenciados, segundo o ministro da Fazenda, deverá implicar em uma perda fiscal de cerca de R$ 6 bilhões.


quinta-feira, 2 de julho de 2015

Globalização e música

(Alberto Simantob)

Eles vieram de longe. Não tinham medo do que poderia acontecer no decorrer de sua história, só queriam poder correr atrás de seus sonhos e serem felizes. Essa é a história do grupo de rap israelense “Cafe Shachor Hazak” ou, café preto forte, em português. Mas o que eles têm de diferente das outras bandas do país ? O que têm de especial?

É muito comum em Israel a imigração de populações etíopes, já que existem grandes "tribos" judaicas na Etiópia. Como Israel é um estado judeu, muitas pessoas desses grupos sociais acabam imigrando para lá para tentarem a oportunidade de melhorar de vida. Hoje, em Israel, a comunidade de judeus etíopes já chega a 100 mil pessoas. Entre a juventude dessa comunidade de imigrantes, o rap se transforma cada vez mais numa referência de identidade cultural e orgulho étnico. Esse é o caso dos integrantes dessa banda que, apesar de nova, já encanta muitos israelenses com suas músicas irreverentes e com a mistura de ritmos.

O rap do Shachor Hazk dá continuidade a uma forte tradição do hip-hop israelense, popular desde os anos 1990 no país, acompanhando uma tendência mundial de globalização do rap e do hip-hop. Nomes como Yair Nitzani, Nigel Haadmor, Yossi Fine e sobretudo Liron Teeni estão entre os pioneiros do rap em Israel. O programa de rádio "Esek Shachor" (black business) iniciado em 1996 na rádio Galgalatz, a rádio do Exército, tornou-se imensamente popular, tocando raps e hip-hops cantados em hebraico e árabe. Na mesma época as bandas "Shabak Samech", Hadag Nakhas e "Subliminal" começam a gravar raps e hip-hops em hebraico, dando início à febre do rap em Isarel. A história da grande popularização do hip-hop e rap em Israel acabaria por se tornar num caso clássico do chamado fenômeno da "glocalização", a fusão de tendências globais incorporadas às culturas e tradições locais.

O grupo Schachor Hazak estourou em 2006, quando apareceu no programa "A star is born" da TV israelense, uma versão local do "American Idol", é composto por 5 jovens da cidade de Netanya, hoje, todos na faixa dos 20 anos, Moshe, Elakm Uri, Aviram e o líder Eli Ezra.
 
O mais interessante é que, apesar de morarem no Oriente Médio há bastante tempo, suas músicas não deixam de recordar as suas origens, na Etiópia. Com um estilo mais de rap americano, os rappers do Café Preto Forte conseguem mesclar três culturas em cada uma das canções, cantando em inglês, hebraico e amharic da Etiópia, preservando a influência original do ritmos das ruas americanas e incorporando de maneira inesperada a visão de mundo da juventude de Israel, os problemas do Oriente Médio, tudo temperado com os ritmos e a cultura da Etiópia.

O grupo dos meninos da periferia de Netanya acabou abrindo espaço para outros grupos de rap etíope, tais como o Axum e o Jeremy Cool Habash, consolidando uma tendência da música urbana israelense contemporânea.



Confira um pouco desta química sonora de três continentes composta pelo Cafe Hazak : 




Notícias : um produto à venda















(Rodrigo Stankevicz)

Nas primeiras décadas do Século XIX, as notícias passariam por transformações, semelhantes ao que a sociedade de então estava vivenciando. Com a expansão de novas tecnologias e a crescente industrialização dos grandes centros urbanos, a procura por notícias além-mar, tornou-se uma realidade concreta. As notícias que demoravam até 3 meses para chegar através das embarcações, ganharam nova tônica com a o telégrafo. Assim, as informações eram transmitidas de longas distâncias com confiabilidade e precisão. A partir destas transformações as notícias também foram afetadas e deixaram de ser opinativas baseadas na literatura e passaram a ser objetivas, factuais e baseadas nos fatos.

Neste contexto histórico de transformações urbanas e das comunicações, o visionário Charles Havas, em 1832, na França, cria a primeira agência noticiosa privada. Havas traduzia as notícias estrangeiras e vendia-as aos jornais franceses. Nascia um novo modo de pensar a notícia, esta se tornaria um produto valioso, já que o custo para conseguir uma notícia do exterior era alto. A padronização do texto jornalístico, baseado no lead e na "pirâmide invertida" abrangeu um número maior de pessoas e atendeu a precariedade do sistema telegráfico, já que falhas ocorriam, então as principais informações precisavam ser passadas em primeiro lugar. Mais tarde outras agências foram sendo criadas com a intenção de produzir matérias direto da fonte para redações espalhadas pelo mundo. Jornais uniam-se para pagar as despesas do transporte das notícias, tanto navios como telégrafos. A indústria jornalística via sua expansão cada vez maior, conglomerados jornalísticos nasciam, as guerras davam êxito às agências de notícias que cobriam as disputas por territórios e influência política.

Sendo assim, as empresas de notícias deparavam-se diante de elevadíssimas despesas em manter um correspondente próprio em outro país. O único recurso, para manter-se vivo num mercado cada vez mais competitivo, era aderir às agências noticiosas. Comprar textos brutos e lapidá-los nas redações tornou-se mais atraente financeiramente. Contudo, a dependência deste serviço aumentou, as redações foram ficando cada vez menores, os próprios conceitos éticos do jornalismo, como a imparcialidade, o contraditório, ouvir diversas fontes, etc, entraram em conflito com esta nova dinâmica. Desta maneira podemos questionar, até que ponto as notícias difundidas por essas empresas de notícias são baseada nos acontecimentos e até que ponto são narrativas ou versões interessadas ? E se realmente são bastante factuais, qual é o limite entre a "realidade" e os interesses políticos, ideológicos, econômicos envolvidos ? Esses limites estão em retração ou em ampliação na era da comunicação globalizada ? 

De certa forma, não é um exagero dizer que os grandes jornais de todo mundo ficaram um pouco reféns das agências de notícias. Hoje, cada vez menos as redações estão dispostas a investigar se realmente o que foi repassado pela agência condiz com minimamente com a realidade, ou se há versões alternativas relevantes, ou o quanto aquela notícia foi afetada pelo humor do correspondente, pela influência governamental ou pela ausência de uma verificação local. Atualmente, cada vez menos, os jornais e todos os demais meios de comunicação dependem de fontes de primeira mão, passando a depender de intermediários profissionais, as agências de notícias.

Nesse contexto, observamos o Mundo sob um prisma demasiadamente limitado. Lembre-se que apenas quatro grandes agências de notícias abastecem praticamente todos os principais jornais do Brasil. O que não deixa de ser um paradoxo, pois, na era da globalização da informação, com muito mais circulação de dados e informações, parecemos conhecer cada vez menos o Mundo. Somos informados sobre o que acontece no resto do planeta de acordo com um número reduzido de visões, emanadas por poucas agências noticiosas. São elas que terão maior autonomia para dizer o que é relevante e o que não é, quem são os bons e quem são os maus, segundo seus próprios critérios, preferências, visões de mundo, e cada vez com menos versões alternativas.

Uma guerrilha evangélica nas florestas de Uganda

(Bruna Freitas)

Aproximadamente 1,6 milhões de pessoas sofrem diretamente com os conflitos em Uganda, especialmente entre o governo local e os rebeldes do Exército de Resistência do Senhor (Lord´s Resistence Army - LRA), que já duram mais de 20 anos.

O LRA é um grupo rebelde liderado por Joseph Kony, e se originou no norte do Uganda como um movimento para lutar pelos interesses do povo Acholi. Entretanto, o movimento liderado por Kony tem perdido apoio nos últimos anos, passando cada vez mais a apelar a ataques contra civis inocentes. Sua ação mais notória tem sido o sequestro de crianças para compor seu exército rebelde. Expulsos do país pelo exército ugandês, os rebeldes do LRA estão agora espalhados por regiões da República Democrática do Congo, República Centro-Africana e Sudão do Sul, onde ataques brutais continuam acontecendo em vilarejos.


A origem deste movimento guerrilheiro data do início dos anos 1980, estando ligado ao "Movimento do Espírito Santo", conduzido pela militante Alice Lakwena. O movimento ganha força se beneficiando da insatisfação da população de Uganda que, então, enfrentava grande instabilidade política e econômica, por ocasião do fim do regime de Idi Amin Dada, no ano de 1979. A repressão ao movimento por parte do governo resulta no exílio de Lakwena. Entretanto, um homem que se dizia ser primo de Lakwena, chamado Joseph Kony, assumiu a liderança do movimento, rebatizando-o em 1986 como o Exército de Resistência do Senhor. Kony inicialmente declarou que a missão da LRA era derrubar o governo e governar Uganda com base nos Dez Mandamentos. Entretanto, nos anos de declínio da popularidade do movimento, o movimento de Kony passa a apelar ao recurso de raptar crianças para servir, compulsoriamente e sob ameaças, como guerrilheiros.

Uma ex-prisioneira chamada Monique fala sobre seus momentos de terror nas mãos desse grupo terrorista. Em 2009, então com 14 anos, ela foi capturada juntamente com outras cinco adolescentes quando o LRA atacou Duru, a aldeia onde viviam, na Província Oriental da República Democrática do Congo. Neste ataque, Monique teve seu pai assassinado. 

As meninas foram levadas para viver na selva e se tornam parte dos efetivos da guerrilha, o que incluía a prestação de "serviços sexuais" aos guerrilheiros do LRA, vivendo sob constante vigilância e torturas. Como lembra Monique, "eu me senti muito mal, pois eu ainda era virgem quando fui entregue aos guerrilheiros, pensei que iria morrer, ou que iria
passar a vida inteira como escrava do LRA..."

No ano de 2012, esse conflito separatista no norte de Uganda volta a ganhar evidência com a divulgação, pelo You Tube, de um vídeo chamado "Kony 2012". Esse vídeo se torna viral e, em apenas quatro dias, acaba sendo visualizado por cerca de 39 milhões de pessoas. O vídeo, produzido pela ONG "Invisible Children", fazia parte de uma campanha mundial de denúncia contra o movimento ugandês, reprovando a prática de utilização compulsória de crianças como soldados. Muitas celebridades aderiram à campanha, como Angelina Jolie e, Rihana, Lady Gaga e Mark Zuckerberg. Repercussões no Tweeter mobilizaram milhões de pessoas, ao redor do #stopkony. A dimensão viral da campanha gerou a arrecadação de milhões de dólares pela ONG "Invisible Children". A campanha pregava a prisão do líder Joseph Kony para que fosse julgado como criminoso de guerra pelo Tribunal Penal Internacional.

Entretanto, além desta grande mobilização mundial, o vídeo como a campanha geraram também muitas repercussões negativas. Alguns críticos alegaram que a ONG "Invisible Children" não era transparente quanto às origens dos seus fundos, gastando quase a totalidade dos imensos recursos doados em altos salários e viagens, em vez de promover alguma forma de repasse para as próprias vítimas do conflito. Outros críticos levantaram sérias dúvidas sobre a veracidade dos fatos retratos no vídeo, e a respeitada revista "Foreign Affairs" acusou a ONG de deliberadamente distorcer fatos em prol do sensacionalismo e da arrecadação de fundos. Outros ainda acusaram o apoio governamental americano no financiamento da ONG, coincidentemente ou não, pregava a ideia de intervenção militar americana na região.

terça-feira, 30 de junho de 2015

Os Tigres do Sri Lanka

(Eduardo Pacheco)

Localizada ao sul da península indiana, o Sri Lanka pode passar desapercebido aos olhos de muitas pessoas por se tratar de um país insular. O país conta a 24ª maior densidade demográfica do planeta e 9ª maior da Ásia. A economia da ilha é baseada na agricultura, e lá se encontram importantes plantações de arroz, borracha e de seu principal produto de exportação, o chá. O pequeno país, banhado em todo o seu território pelo Oceano Índico, poderia ser perfeitamente um ambiente muito tranquilo, não fossem pelos Tigres. E não se trata dos felinos selvagens, até porque os animais não são nativos da ilha. Os Tigres que realmente assolam o sossego do Sri Lanka vêm do norte do país e estão armados com fuzis AK-47. Os Tigres de Liberação do Tamil Eelam, também conhecidos como Tigres Tâmeis, são uma organização política armada que tem como objetivo a criação de um Estado independente chamado Tamil Eelam, um território no nordeste do Sri Lanka que se emanciparia do resto do país.

Para atingir tal objetivo, os Tigres tem lutado durante décadas fazendo uso do terrorismo e deram início a uma sangrenta campanha. Esta campanha deu origem à Guerra Civil do Sri Lanka, um dos mais longos e sangrentos conflitos armados da história recente do mundo. De 1983 a 2009, o país passou por diversos conflitos armados e ataques terroristas dentro de seu território, num interminável combate dos Tigres contra as forças armadas do Sri Lanka.

Tudo começou em 1976, quando a organização foi fundada alegando que seu principal objetivo proteger o povo tâmil, minoria no Sri Lanka, da discriminação que sofriam dos povos dominantes no país. Entretanto, o grupo sempre foi reconhecido por seus atos terroristas – 33 países os colocavam como uma organização terrorista – e ficaram conhecidos pelas atrocidades praticadas contra autoridades, líderes e civis, incluindo sequestros e ataques, além do assassinato de políticos indianos e do Sri Lanka. A organização inventou uma das práticas terroristas mais utilizadas até hoje: o uso de homens-bomba.

Durante a Guerra Civil do Sri Lanka, os acordos de paz chegaram a interromper os conflitos por quatro vezes, mas sem nenhum efeito duradouro. Segundo dados oficiais, mais de 70 mil pessoas morreram nos 26 anos de conflito. No dia 16 de maio de 2009, o presidente do Sri Lanka declarou a vitória sobre os Tigres Tâmeis. No dia seguinte, os Tigres admitiram a derrota, deixando esvair o sonho da independência do Tamil Eelam.

Globalização ? No meu campo, não !

(Eduardo Pacheco)

O processo da globalização já deixou de ser teoria e passou a ser realidade há algum tempo. As trocas e experiências interculturais passaram a ser cada vez mais fáceis e frequentes, mesmo para aqueles que, outrora, encontravam-se isolados do “Resto do Mundo”. Todas as regiões do mundo passaram a sofrer a influência uma das outras, muito em decorrência da popularização da internet.

Muitos estudiosos imaginavam que o processo da globalização levaria à criação de uma cultura única no mundo, desprezando-se as culturas locais e regionais. Definitivamente, muitos lugares adquiriram hábitos até então inimagináveis e exóticos para a região, entretanto, em outras regiões, o que se viu foi uma resistência das culturas locais, ou até mesmo assimilação de elementos distantes adaptados às condições locais, dinâmicas às vezes resultaram no ressurgimento e resgate de hábitos já considerados passados.

No mundo do futebol a globalização também está presente. Os clubes mais ricos e poderosos do planeta não medem gastos para trazer os melhores atletas disponíveis no mercado, vindo dos quatro cantos do planeta, muitas vezes deixando de lado atletas nascidos no país onde o clube encontra-se. Na temporada de 2014-15, por exemplo, os milionários Real Madrid e Manchester City teriam sido rebaixados de seus campeonatos nacionais caso só fossem contabilizados os gols de atletas nascidos na Espanha e na Inglaterra, respectivamente. Outro exemplo no qual a atuação da globalização mostra-se forte no futebol é o caso da Internazionale de Milão campeã europeia e mundial do ano de 2010. A equipe "nerazzurri" daquela temporada tinha como craque o holandês Sneijder, seu artilheiro, Diego Milito, e seu capitão, Javier Zanetti, eram argentinos e seu sistema defensivo era liderado pelos brasileiros Júlio Cesar, Maicon e Lúcio. O técnico era o português José Mourinho (substituído no meio daquele ano pelo espanhol Rafa Benítez) e não havia sequer um italiano no time titular.

Em outros casos, a globalização fez reacender velhas identidades e sentimentos das culturas locais, como é o caso do Athletic Bilbao, clube sediado em Bilbao, no País Basco espanhol. O clube é conhecido por só utilizar jogadores nascidos no País Basco, seja na Espanha ou França, ou com alguma ascendência ligada à região, notabilizando-se, dessa forma, como uma das grandes instituições bascas que lutam pela independência da região autônoma. 

As grandes tensões separatistas existentes no território espanhol tornam o país propício para alguns times, através do futebol, fortalecerem a luta por suas regiões. Além do caso do Bilbao, o Barcelona, atual campeão europeu, espanhol, da Copa del Rey e principal representante Catalão no futebol, também utiliza o esporte como forma de resgatar a cultura local e fortalece-la. Em um clássico contra o Real Madrid, principal rival do Barcelona e representante da capital, em 2012, 90 mil torcedores do Barcelona cantaram pela independência da Catalunha exatamente aos 17:14 minutos de jogo. O momento tão precisamente escolhido faz referência ao ano de 1714, quando um levante catalão foi sufocado pela monarquia espanhola.

A resistência à globalização é um dos efeitos mais fortes desse processo que praticamente já engoliu o mundo inteiro. No futebol não havia como ser diferente e tal fato só mostra como o “esporte bretão” é um espelho da sociedade, seja a sociedade que for. Apesar disso, há ainda quem insista em dizer que o futebol nada mais é do que 22 pessoas correndo atrás de uma bola.

quinta-feira, 25 de junho de 2015

Nacionalismo historiográfico africano revisitado

(Pilar Vasconcelos)

“O regionalismo historiográfico foi um dos
principais erros cometidos pelos historiadores
nacionalistas na África, pois passaram a
considerar as tradições orais como equivalentes
ou complementares aos documentos escritos.
Essas tradições orais veiculam antes de tudo um
discurso histórico que é manipulado, em função
das necessidades das sociedades atuais, o que
explica a importância dos silêncios que o balizam”.
(Boubacar Barry)

No debate historiográfico africano, a perspectiva histórica parece evidenciar uma peculiaridade metodológica de uma época: os historiadores nacionalistas talvez tenham exagerado a importância do uso das tradições orais como fontes, considerando as fontes orais como uma oposição autêntica em relação aos documentos escritos oficiais.

O historiador senegalês Boubacar Barry tem concentrado o foco de seu trabalho recente na reavaliação das fontes orais para a construção do discurso histórico africano, lembrando como o movimento de resgate das fontes orais colaborou para a construção do nacionalismo na África ocidental contemporânea.

Esse movimento representou uma ruptura com os trabalhos da primeira geração de historiadores africanos, a dos pioneiros, como o Anta Diop, que buscam romper com a abordagem vigente na História da África até então feita por historiadores europeus. Essa primeira geração de historiadores africanos defendia que o continente africano possuía uma história própria, e para isso apostava no recurso a fontes escritas antigas não-europeias. Anta Diop, por exemplo, buscava traçar uma ligação entre escritas egípcias e registros documentais dos impérios medievais africanos, enquanto outros historiadores vão recorrer a fontes escritas árabes.

Barry indica que será principalmente a segunda geração dos historiadores profissionais africanos, que se estabelece nos anos 1960 e 70, já no contexto da descolonização, que irá promover uma redescoberta das tradições orais africanas como fontes legítimas da história, tendo em vista o grande aumento do interesse pela história pré-colonial da África ocidental.

Essa “nova história”, vai glorificar a si mesma ao mesmo tempo em que culpa o Ocidente pelos silêncios históricos, fazendo nascer diversos trabalhos de historiadores profissionais que se utilizam amplamente das fontes orais, em complemento com as fontes escritas africanas e europeias. A primeira obra que se utiliza exclusivamente das tradições orais foi "Sundjata, ou l’épopée mandingue", de Djibril Tamsir Niane, de 1960. Para Niane, que reabilita a figura do “griot”, defende para este uma posição de direito na história africana, como um depositário tradicional do passado. Em função da obra "Sundjata”, que se torna um clássico, as tradições orais passam a ter doravante direitos iguais aos documentos escritos.

Essa mutação de mentalidades parece transformar progressivamente o método e a abordagem dos historiadores africanos que se dedicam à construção da história africana. Em toda parte, na Senegâmbia como em outros lugares da África, se disseminam as metodologias de coleta, transcrição e interpretação das tradições orais. A metodologia sobre as tradições orais incita ao uso dessa fonte para reconstituir aspectos inteiros da história do continente.

Na região da Senegâmbia, a escola de Dakar vai usufruir de vantagem e papel essenciais para a reconstrução desse passado, uma vez que detém do conhecimento das línguas africanas e dão continuidade a uma ancestral tradição social de preocupação com a produção de história, elementos que vão se constituir na peça-chave para o acesso aos depositários da tradição oral.

Em consequência aos trabalhos dessa segunda geração, a escola de Dakar, por exemplo, vai criar junto com outros historiados de Abidjan e Camarões, no ano de 1972, uma proposta de história que privilegia a o papel ativo dos africanos na descolonização, ou seja, uma narrativa histórica que privilegia a história das sociedades africanas como motor da sua própria história. A história constitui-se assim, segundo Ki-Zerbo, na alavanca para construção de uma consciência nacional e, portanto, para a realização de uma unidade africana controlada pelos próprios africanos.

A partir daí, como lembra Barry, a ideologia nacionalista, que antes tinha como referência o passado glorioso da África, agora vai ser substituída por uma ideologia nacional oficial, de partido único, ou até mesmo de um partido-Estado. Essas novas expressões não levam em conta, por exemplo, as contradições das exóticas fronteiras nacionais herdadas da colonização que, mesmo não levando em consideração as continuidades étnicas e culturais das populações locais, acabam mesmo assim, numa continuidade das instituições coloniais, servindo de referência para a construção das narrativas de identidade nacional dos governos independentes.

As tradições orais nesse momento (anos 1970) ficam em alta, sendo exaltadas em rádio e transmitindo em profusão as narrativas dos “griots”, cujo papel de detentores da memória e das tradições coletivas é reabilitado. As novas fontes orais parecem privilegiar as tradições dinásticas e o elogio de heróis nacionais, exaltando as virtudes dos pais fundadores das novas nações independentes. Entretanto, no mesmo sentido, também contraditório, mesmo para a construção da história africana recente, algumas tradições orais ou crônicas escritas acabam mesmo por ocultar a presença e as ações francesas na conquista colonial, como lembra Barry.

O grande objetivo então parecia ser mesmo o de exaltar a figura do herói nacional para responder às necessidades do momento nessa fase da descolonização, que era a de construção de uma identidade nacional. Barry explicita que há neste momento, sem dúvida, uma simbiose entre o discurso histórico dos trabalhos de historiadores profissionais africanos e os discursos das tradições orais.

Assim, gradualmente países da África Ocidental, como o Senegal, vão desenvolver com mais ou menos intensidade, uma história nacional cuja a marca é a ruptura com o passado colonial, se apoiando nos valores africanos veiculados às tradições africanas.

Barry aponta, no entanto, que foi um erro dos historiadores se utilizarem de fontes orais como equivalente ou complementares às fontes escritas, pois as primeiras devem passar por um tratamento crítico assim como as segundas. Demonstra que o discurso histórico veiculado às tradições orais é manipulado em função das necessidades da sociedade por seus detentores, o que explica a importância do silêncio que o balizam. Apresenta assim, dentro desse contexto, que o silêncio mais pesado recaiu sobre a participação dos africanos no tráfico negreiro, que durou diversos séculos e teve um impacto de longa duração sobre as sociedades senegambianas.

Essas tradições orais literalmente ignoram o tráfico negreiro que foi reconstituído a partir dos arquivos e das relações dos viajantes europeus. Dessa forma, a África, pátria-mãe, aponta Barry, torna-se alvo de milhões de escravos que querem lembrar para sobreviver em numa sociedade cujo o racismo se constitui como fundamento da servidão.

Mamadou Diouf, em “L' Histoire du Kajoor au XIX siécle” põe em evidência a necessidade de tratar as tradições orais como um discurso histórico na mesma categoria que as obras acadêmicas de historiadores profissionais, que se utilizam apenas de documentos escritos. A manipulação das tradições orais leva em conta as preocupações das populações que fazem uma releitura de sua história, conforme a necessidade do momento.

A partir da conclusão de Barry pode-se evidenciar o erro dos historiadores no recurso às tradições orais. O autor aponta que durante anos os historiadores privilegiaram em seu trabalho a coleta e o uso das tradições orais, deixando de lado a reflexão acerca de suas funções dentro de uma sociedade oral. É evidente que as tradições orais, além do testemunho e informações que podem conter, constituem-se como discursos históricos.

As tradições orais em forma de crônicas, epopeias, entre outros, faz permanecer viva na memória coletiva um testemunho de um passado longínquo. Além disso, continuam também a serem produzidas a medida em que vão dando conta de sua aventura presente, pois como já dito, são antes de tudo, discursos históricos.

Dessa forma, nas sociedades orais, a função da memória é mais desenvolvida, da mesma forma que a ligação entre o homem e a palavra, de acordo com A. Hampaté Bâ. Segundo essa lógica, a coesão da sociedade reside no valor e respeito pela palavra. Não é apenas a história que depende da palavra, mas todas as instituições africanas repousam sobre a palavra oral, curandeiros, anciãos, todos tem um pacto de preservação das informações, e por isso as sociedades africanas acabam se organizando especialmente para isso.

Nas tradições africanas, a palavra falada possui um valor moral fundamental, um caráter divino vinculado à sua origem divina e às forças ocultas nele depositados. Muitos chegam a acreditar que as tradições orais africanas se limitam então a mitos e lendas mas, definitivamente, não é o caso. A tradição oral faz parte da construção de uma memória coletiva de uma dada sociedade africana, à medida que conduz o homem para a sua totalidade, isto é, cria um tipo de homem particular para esculpir a alma africana.

O silêncio que nela reside, faz parte da lógica de uma construção de uma memória, a partir das necessidades do momento presente, daqueles que detém do poder.

terça-feira, 23 de junho de 2015

Sardenha : praia, sol e política.


(Maria Luísa Coelho)

A Sardenha é uma das cinco regiões italianas autônomas, o que confere a ela o direito de criar suas próprias leis e realizar funções administrativas regionais. A ilha possui um conselho regional, uma junta regional e até um presidente.


O nacionalismo presente na Sardenha é um movimento social, cultural e político utilizado para promover a proteção dos interesses de seus habitantes, como da cultura e do meio ambiente da ilha. Sua população, há muito tempo, reivindica autonomia em relação à Itália. Eles baseiam seu pedido na visão de que a Sardenha tem uma herança cultural diferente e que a economia pode se beneficiar disso.

Atualmente, esse movimento é considerado bastante desarticulado por não possuir uma unidade política central. Ele é composto de várias organizações espalhadas por toda a ilha e mais de 5 partidos políticos regionalistas oficiais, que discordam entre si em muitas questões.

Recentemente, as principais reivindicações e críticas do povo "sardo" tem se concentrado nos danos ambientais causados por bases militares da OTAN, com forças americanas, europeias e italianas estacionadas na ilha. Mas as queixas quanto à exploração econômica acelerada dos recursos naturais da ilha por empresas continentais, aliado à falta de representação politica, tanto no governo italiano como no parlamento europeu, além do processo de despovoamento em curso na ilha, que poderá descaracterizar a cultura local, estão entre as principais pautas de reivindicação dos movimentos autonomistas da Sardenha.

Apesar destas tensões e insatisfações, o nacionalismo sardo tem sido um movimento pacífico, que não defende um separatismo violento, propondo atingir seus objetivos dentro de um quadro político democrático liberal.


Mesmo com todos essas tensões na esfera política, a Sardenha é um dos dos locais de maior visitação por turistas na Itália. É considerado o mar mais belo da Itália, possuindo diversas praias com águas cristalinas. O turismo é um dos setores de maior importância econômica da ilha. Além das praias, sua historia, suas tradições, a cozinha e sítios arqueológicos são bastante procurados por turistas que visitam a ilha.


Sardenha : mar e política.

Nova Zelândia : até no paraíso existem divisões...


(Rhayana Gonçalves)

Um dos países mais procurados pelos brasileiros para fazer intercâmbio, fazer turismo e até morar é a Nova Zelândia. Apesar de ser uma viagem de mais de 20 horas de avião e com um fuso de 15 horas de diferença, o país ainda continua chamando a atenção pelos seus muitos encantos.

Para começar os nativos são chamados de "kiwis", nome de um pássaro local que acabou batizando a fruta local que acabou mundialmente conhecida. O clima é muito agradável, entre tropical e temperado, e a geografia do país é conhecida pelo seu relevo extremo, muito apropriado para diversos esportes radicais, produzindo uma paisagem muitas vezes deslumbrante. Além disso, a população é conhecida por ser extremamente hospitaleira e o custo de vida é barato. Além dessas características marcantes, a qualidade de vida é excelente.

Porém até no paraíso existem divisões. A Nova Zelândia é composta por duas grandes ilhas, a Ilha do Norte e a Ilha do Sul. E, o que a geografia separou, acabou por influenciar a cultura e a política locais, numa história de séculos atrás. Em 16 de Novembro de 1840, as ilhas da Nova Zelândia foram separadas politicamente da colônia australiana de Nova Gales do Sul, constituindo-se numa nova colônia britânica. A própria Rainha Vitória designou o capitão irlandês William Hobson como seu novo governador.





Wellington, a capital, uma das lindas paisagens da Nova Zelândia

A ilha do Sul contava com uma pequena população Maori, o que facilitou a ocupação e colonização britânica, fazendo com que a economia local se desenvolvesse rapidamente, sendo a destinação preferida de investimentos e colonos. Enquanto isso, a resistência dos Maoris nativos na Ilha do Norte, atrasava o desenvolvimento da colônia britânica. Em 1861, o ouro foi descoberto em Gully, na região do Otago Central, o que provocou uma corrida do ouro. Dunedin logo se tornou a cidade mais rica do país, e muitos, na Ilha do Sul, começaram a ressentir-se da redistribuição de recursos para as regiões menos desenvolvidas na Ilha do Norte, especialmente para os pesados investimentos em segurança e exércitos, o que era percebido como um desperdício das riquezas sulinas.

Enquanto isso, no Norte, tanto as populações nativas como os colonos sentiam-se esquecidos e marginalizados pelas pelas cidades sulistas, o que se traduzia em disputas orçamentárias e administrativas. Somado às diferenças culturais e aos regionalismos, esse sentimento acabou por fermentar identidades diferentes entre as duas ilhas.

Em 1865, sob a liderança de Vogel, as lideranças provinciais de Auckland, no norte, e Otago (Dunedin), no sul, coordenaram seus interesses para demandar na Assembléia Geral, conjuntamente, a separação formal das duas ilhas e a constituição de duas colônias separadas. Esse movimento foi derrotado por 31 votos a 17, prevalecendo as ideias centralistas. Entretanto, desse movimento resultou, como medida conciliatória, a mudança da capital para Wellington, no extremo sul da Ilha Norte, localizada numa posição bem mais central.   

Os ecos desses movimentos regionalistas ainda podem ser ouvidos nos dias de hoje. Ainda no século 21, a Nova Zelândia tem dois partidos políticos regionalistas. Na Ilha do Sul, o Partido da Zelândia do Sul tem lançado candidaturas desde 1999. Seu sucessor, o Partido da South Island (2008), tem optado por não registrar candidatos para as eleições parlamentares, focando sua ações em campanhas não eleitorais, mas de conscientização.



A Nova Zelândia: um  país separado por duas ilhas.

E até hoje ainda a as reivindicações da parte da ilha do Sul para a sua independência, ou pelo menos, por maior autonomia. Com o pensamento de que, desde a união das duas ilhas numa unidade nacional, a parte Sul tem se desenvolvido de forma diferente, ou seja, com sua própria cultura, pensamento e até mesmo sua economia, tornando-a com interesses diferentes da ilha vizinha, a autonomia política seria uma resposta natural a esta diversidade.

A globalização e as epidemias mundiais


(Rodrigo Stankevicz)


O advento da globalização trouxe uma série de benefícios para o Mundo, porém, trouxe também malefícios complexos. A relação mais intensa entre países, a crescente interdependência crescente em vários domínios da vida social, têm afetado também a saúde pública mundial. Em tempos de conexões mais intensas, surtos epidêmicos locais acabam causando alertas para todas as nações. Neste contexto de globalização, uma simples doença viral, identificada em regiões remotas do planeta, pode acabar chamando a atenção e exigindo esforços da comunidade internacional para que seja controlada e não torne-se uma epidemia global. Os esforços são muitos, porém parecem ainda insuficientes para conter as demandas crescentes dos últimos anos. A capacidade de gestão de epidemias e de coordenação de ações parecem agora mais ineficientes ainda, diante dos novos desafios.


O último caso amplamente noticiado foi a epidemia de Ebola, iniciada em Serra Leoa, na África Ocidental. Uma epidemia local acabou tomando proporções globais por falta de uma mobilização imediata, de controle e contenção, e de coordenação de ações no plano internacional. Os vírus parecem ser uma boa ilustração dos problemas da globalização, pois como a informação, flutuam rapidamente por cima das fronteiras nacionais, enquanto as instituições existentes para o seu combate e controle, permanecem restritas ao âmbito nacional de ação. Um descompasso entre problemas de alcance global e instituições de alcance nacional. A coordenação, para estes casos, parece ser cada vez mais importante. 

No caso do Ebola, iniciado em dezembro de 2013, data do primeiro óbito registrado, foi classificada como um surto somente em março de 2014 e como epidemia em agosto do mesmo ano. Segundo o coordenador de emergências do "Médicos Sem Fronteiras-MSF", Henry Gray, em entrevista à BBC, houve demora na divulgação do surto e da epidemia pelas autoridades internacionais, mesmo após vários alertas emitidos pelos MSF. À época, Gray lamentou, "foi frustrante, claro, não ter sido ouvidos, e isso provavelmente levou à escala da epidemia que vemos hoje". 

Vários fatores contribuem para que as autoridades locais atrasem a comunicação da doença, como um otimismo na sua própria capacidade de controlar o problema, ou ainda até um temor de não perturbar o turismo ou a economia do país. Mas também no plano internacional, a coordenação de ações acaba sendo lenta também. A própria Organização Mundial da Saúde (OMS), admitiu a lentidão de todo o processo, quando sua diretora-geral, Margaret Chan, declarou em janeiro de 2015: "O Mundo inteiro, incluindo a OMS, foi muito lento para ver o que estava acontecendo diante de nós."


homem infectado com ebola é levado para quarentena em Serra Leoa. Peter Muller.


Nem só através de procedimentos médicos as epidemias são administradas, mas também com toda o poder da tecnologia e da capacidade de comunicação entre os organismos internacionais, promovendo uma rápida mobilização mundial. Na era da globalização, os surtos e epidemias não podem ser mais tratados isoladamente, como um problema local, ou protegidos pelos desejos de soberania nacional, como se fossem um problema único e exclusivamente do país afetado. Cada vez mais, as epidemias são, de fato, uma preocupação de todas as nações. Quando os países envolvidos no combate à epidemia, juntamente com a Organização Mundial da Saúde e outros órgãos, cometem falhas na comunicação e na coordenação, que atualmente tem uma precisão e instantaneidade singular, podem comprometer ainda mais vidas e acabar criando um caos dentro e fora do país atingido. As informações de um órgão ao outro devem ser claras para que a mensagem chegue à população e a quem ela é direcionada de forma precisa e esclarecedora. O desenvolvimento de capacidade política e institucional de coordenar ações entre governos e instituições no plano internacional se tornou numa variável importante de segurança, no caso das epidemias. 



Enfermeiros checam os equipamentos de proteção antes de 
entrarem na zona de alto risco de infecção em Serra Leoa. 
Anna Surinyach / MSF


Em entrevista à France-Press, Bill Gates demostrou preocupação com as epidemias mundiais , chegou a falar que a comunidade internacional precisa estar preparada para uma possível pandemia mundial. Também chamou a atenção do mundo para que utilizem-se as novas tecnologias no desenvolvimento de um plano para as possíveis crises. Gates ainda explicou a importância da comunicação e tecnologia, e seus impactos sobre a capacidade de coordenação internacional, no caso, para a prevenção de epidemias: “Nós usamos fotos de satélite para descobrir onde as pessoas vivem, o GPS dos celulares para ver se as equipes de vacinação estão indo a todos os lugares que precisam ir e fazemos uma análise estatística para ver se alguma criança não foi atendida. As novas tecnologias inovadoras vão nos permitir ver o que está acontecendo a um custo muito mais baixo".

Com a globalização, o mundo interligado como está, tornou-se um pequeno vilarejo, em que não há mais fronteiras que impeçam e ida e vinda de pessoas de várias partes do mundo, é claro, com raras exceções. Se chegamos a esta compreensão, necessário é tomar consciência de que qualquer decisão a milhares de distância de onde estamos pode interferir diretamente em nossas vidas, inclusive um pequeno surto em um lugar remoto.

quarta-feira, 20 de maio de 2015

O terror do Talibã



(Isabela Varanda)

O Afeganistão é um país asiático considerado a “ponte” entre o Oriente e o Ocidente. Por conta de seu território estar em posição estratégica o local já foi conquistado pelo Império Persa, Macedônio, Hindu, Mongol, Turco Otomano, Inglês, Russo e também pelos Estados Unidos, além do movimento nacionalista chamado Talibã.

O Talibã chegou ao poder no Afeganistão em 1996, financiado pelo Paquistão, e após intensas guerras internas no país. O Talibã é um movimento fundamentalista islâmico nacionalista liderado por Mohammed Omar e seus principais membros, assim como o líder, eram estudantes antes de entrarem para a guerrilha. “Estudantes” é o significado da palavra Talibã. A organização conta com campos de refugiados no Paquistão onde estes aprendem táticas de guerrilha e sobre o islamismo.

Segundo o dicionário terrorismo é a “utilização organizada e metódica da violência com propósitos políticos, normalmente por meio de atentados, buscando desorganizar a sociedade vigente”. Apenas com essa definição diversos nomes surgem à tona, sendo um dos mais citados o temido Talibã.

O Talibã é considerado uma organização terrorista pelos Estados Unidos, Rússia e União Soviética. A maioria de seus atentados é realizada com homens-bomba chegando a impressionante média de 100 atentados desse tipo por ano, segundo o The New York Times. Estima-se que mais de 3 mil pessoas tenham morrido nas mãos desse grupo.

Hoje, o grupo está presente no Afeganistão e no Paquistão e realiza diversos ataques nesses países. Um dos piores atentados aconteceu no Paquistão em dezembro de 2014. Um grupo de seis militantes do Talibã matou pelo menos 135 pessoas a tiros, a maioria tinha entre 12 e 16 anos e estudavam em uma escola administrada pelo Exército na cidade de Peshawar, local onde aconteceu o atentado. Os seis militantes foram mortos, não sem antes terem espalhado diversos explosivos pela escola.

No Afeganistão foram realizados também ataques com mísseis, sendo o mais conhecido o acontecido em 20 de agosto de 2009 durante as eleições com a intenção de impedir que elas fossem realizadas.

O último ataque realizado por eles foi em abril contra a Organização do Tratado do Atlântico Norte, a OTAN, no Afeganistão. Cinco pessoas morreram e doze ficaram feridas quando um homem-bomba usando um veículo policial carregado de explosivos investiu contra um comboio das tropas internacionais em Jalalabad, capital da província de Nangarhar.