terça-feira, 30 de junho de 2015

Os Tigres do Sri Lanka

(Eduardo Pacheco)

Localizada ao sul da península indiana, o Sri Lanka pode passar desapercebido aos olhos de muitas pessoas por se tratar de um país insular. O país conta a 24ª maior densidade demográfica do planeta e 9ª maior da Ásia. A economia da ilha é baseada na agricultura, e lá se encontram importantes plantações de arroz, borracha e de seu principal produto de exportação, o chá. O pequeno país, banhado em todo o seu território pelo Oceano Índico, poderia ser perfeitamente um ambiente muito tranquilo, não fossem pelos Tigres. E não se trata dos felinos selvagens, até porque os animais não são nativos da ilha. Os Tigres que realmente assolam o sossego do Sri Lanka vêm do norte do país e estão armados com fuzis AK-47. Os Tigres de Liberação do Tamil Eelam, também conhecidos como Tigres Tâmeis, são uma organização política armada que tem como objetivo a criação de um Estado independente chamado Tamil Eelam, um território no nordeste do Sri Lanka que se emanciparia do resto do país.

Para atingir tal objetivo, os Tigres tem lutado durante décadas fazendo uso do terrorismo e deram início a uma sangrenta campanha. Esta campanha deu origem à Guerra Civil do Sri Lanka, um dos mais longos e sangrentos conflitos armados da história recente do mundo. De 1983 a 2009, o país passou por diversos conflitos armados e ataques terroristas dentro de seu território, num interminável combate dos Tigres contra as forças armadas do Sri Lanka.

Tudo começou em 1976, quando a organização foi fundada alegando que seu principal objetivo proteger o povo tâmil, minoria no Sri Lanka, da discriminação que sofriam dos povos dominantes no país. Entretanto, o grupo sempre foi reconhecido por seus atos terroristas – 33 países os colocavam como uma organização terrorista – e ficaram conhecidos pelas atrocidades praticadas contra autoridades, líderes e civis, incluindo sequestros e ataques, além do assassinato de políticos indianos e do Sri Lanka. A organização inventou uma das práticas terroristas mais utilizadas até hoje: o uso de homens-bomba.

Durante a Guerra Civil do Sri Lanka, os acordos de paz chegaram a interromper os conflitos por quatro vezes, mas sem nenhum efeito duradouro. Segundo dados oficiais, mais de 70 mil pessoas morreram nos 26 anos de conflito. No dia 16 de maio de 2009, o presidente do Sri Lanka declarou a vitória sobre os Tigres Tâmeis. No dia seguinte, os Tigres admitiram a derrota, deixando esvair o sonho da independência do Tamil Eelam.

Globalização ? No meu campo, não !

(Eduardo Pacheco)

O processo da globalização já deixou de ser teoria e passou a ser realidade há algum tempo. As trocas e experiências interculturais passaram a ser cada vez mais fáceis e frequentes, mesmo para aqueles que, outrora, encontravam-se isolados do “Resto do Mundo”. Todas as regiões do mundo passaram a sofrer a influência uma das outras, muito em decorrência da popularização da internet.

Muitos estudiosos imaginavam que o processo da globalização levaria à criação de uma cultura única no mundo, desprezando-se as culturas locais e regionais. Definitivamente, muitos lugares adquiriram hábitos até então inimagináveis e exóticos para a região, entretanto, em outras regiões, o que se viu foi uma resistência das culturas locais, ou até mesmo assimilação de elementos distantes adaptados às condições locais, dinâmicas às vezes resultaram no ressurgimento e resgate de hábitos já considerados passados.

No mundo do futebol a globalização também está presente. Os clubes mais ricos e poderosos do planeta não medem gastos para trazer os melhores atletas disponíveis no mercado, vindo dos quatro cantos do planeta, muitas vezes deixando de lado atletas nascidos no país onde o clube encontra-se. Na temporada de 2014-15, por exemplo, os milionários Real Madrid e Manchester City teriam sido rebaixados de seus campeonatos nacionais caso só fossem contabilizados os gols de atletas nascidos na Espanha e na Inglaterra, respectivamente. Outro exemplo no qual a atuação da globalização mostra-se forte no futebol é o caso da Internazionale de Milão campeã europeia e mundial do ano de 2010. A equipe "nerazzurri" daquela temporada tinha como craque o holandês Sneijder, seu artilheiro, Diego Milito, e seu capitão, Javier Zanetti, eram argentinos e seu sistema defensivo era liderado pelos brasileiros Júlio Cesar, Maicon e Lúcio. O técnico era o português José Mourinho (substituído no meio daquele ano pelo espanhol Rafa Benítez) e não havia sequer um italiano no time titular.

Em outros casos, a globalização fez reacender velhas identidades e sentimentos das culturas locais, como é o caso do Athletic Bilbao, clube sediado em Bilbao, no País Basco espanhol. O clube é conhecido por só utilizar jogadores nascidos no País Basco, seja na Espanha ou França, ou com alguma ascendência ligada à região, notabilizando-se, dessa forma, como uma das grandes instituições bascas que lutam pela independência da região autônoma. 

As grandes tensões separatistas existentes no território espanhol tornam o país propício para alguns times, através do futebol, fortalecerem a luta por suas regiões. Além do caso do Bilbao, o Barcelona, atual campeão europeu, espanhol, da Copa del Rey e principal representante Catalão no futebol, também utiliza o esporte como forma de resgatar a cultura local e fortalece-la. Em um clássico contra o Real Madrid, principal rival do Barcelona e representante da capital, em 2012, 90 mil torcedores do Barcelona cantaram pela independência da Catalunha exatamente aos 17:14 minutos de jogo. O momento tão precisamente escolhido faz referência ao ano de 1714, quando um levante catalão foi sufocado pela monarquia espanhola.

A resistência à globalização é um dos efeitos mais fortes desse processo que praticamente já engoliu o mundo inteiro. No futebol não havia como ser diferente e tal fato só mostra como o “esporte bretão” é um espelho da sociedade, seja a sociedade que for. Apesar disso, há ainda quem insista em dizer que o futebol nada mais é do que 22 pessoas correndo atrás de uma bola.

quinta-feira, 25 de junho de 2015

Nacionalismo historiográfico africano revisitado

(Pilar Vasconcelos)

“O regionalismo historiográfico foi um dos
principais erros cometidos pelos historiadores
nacionalistas na África, pois passaram a
considerar as tradições orais como equivalentes
ou complementares aos documentos escritos.
Essas tradições orais veiculam antes de tudo um
discurso histórico que é manipulado, em função
das necessidades das sociedades atuais, o que
explica a importância dos silêncios que o balizam”.
(Boubacar Barry)

No debate historiográfico africano, a perspectiva histórica parece evidenciar uma peculiaridade metodológica de uma época: os historiadores nacionalistas talvez tenham exagerado a importância do uso das tradições orais como fontes, considerando as fontes orais como uma oposição autêntica em relação aos documentos escritos oficiais.

O historiador senegalês Boubacar Barry tem concentrado o foco de seu trabalho recente na reavaliação das fontes orais para a construção do discurso histórico africano, lembrando como o movimento de resgate das fontes orais colaborou para a construção do nacionalismo na África ocidental contemporânea.

Esse movimento representou uma ruptura com os trabalhos da primeira geração de historiadores africanos, a dos pioneiros, como o Anta Diop, que buscam romper com a abordagem vigente na História da África até então feita por historiadores europeus. Essa primeira geração de historiadores africanos defendia que o continente africano possuía uma história própria, e para isso apostava no recurso a fontes escritas antigas não-europeias. Anta Diop, por exemplo, buscava traçar uma ligação entre escritas egípcias e registros documentais dos impérios medievais africanos, enquanto outros historiadores vão recorrer a fontes escritas árabes.

Barry indica que será principalmente a segunda geração dos historiadores profissionais africanos, que se estabelece nos anos 1960 e 70, já no contexto da descolonização, que irá promover uma redescoberta das tradições orais africanas como fontes legítimas da história, tendo em vista o grande aumento do interesse pela história pré-colonial da África ocidental.

Essa “nova história”, vai glorificar a si mesma ao mesmo tempo em que culpa o Ocidente pelos silêncios históricos, fazendo nascer diversos trabalhos de historiadores profissionais que se utilizam amplamente das fontes orais, em complemento com as fontes escritas africanas e europeias. A primeira obra que se utiliza exclusivamente das tradições orais foi "Sundjata, ou l’épopée mandingue", de Djibril Tamsir Niane, de 1960. Para Niane, que reabilita a figura do “griot”, defende para este uma posição de direito na história africana, como um depositário tradicional do passado. Em função da obra "Sundjata”, que se torna um clássico, as tradições orais passam a ter doravante direitos iguais aos documentos escritos.

Essa mutação de mentalidades parece transformar progressivamente o método e a abordagem dos historiadores africanos que se dedicam à construção da história africana. Em toda parte, na Senegâmbia como em outros lugares da África, se disseminam as metodologias de coleta, transcrição e interpretação das tradições orais. A metodologia sobre as tradições orais incita ao uso dessa fonte para reconstituir aspectos inteiros da história do continente.

Na região da Senegâmbia, a escola de Dakar vai usufruir de vantagem e papel essenciais para a reconstrução desse passado, uma vez que detém do conhecimento das línguas africanas e dão continuidade a uma ancestral tradição social de preocupação com a produção de história, elementos que vão se constituir na peça-chave para o acesso aos depositários da tradição oral.

Em consequência aos trabalhos dessa segunda geração, a escola de Dakar, por exemplo, vai criar junto com outros historiados de Abidjan e Camarões, no ano de 1972, uma proposta de história que privilegia a o papel ativo dos africanos na descolonização, ou seja, uma narrativa histórica que privilegia a história das sociedades africanas como motor da sua própria história. A história constitui-se assim, segundo Ki-Zerbo, na alavanca para construção de uma consciência nacional e, portanto, para a realização de uma unidade africana controlada pelos próprios africanos.

A partir daí, como lembra Barry, a ideologia nacionalista, que antes tinha como referência o passado glorioso da África, agora vai ser substituída por uma ideologia nacional oficial, de partido único, ou até mesmo de um partido-Estado. Essas novas expressões não levam em conta, por exemplo, as contradições das exóticas fronteiras nacionais herdadas da colonização que, mesmo não levando em consideração as continuidades étnicas e culturais das populações locais, acabam mesmo assim, numa continuidade das instituições coloniais, servindo de referência para a construção das narrativas de identidade nacional dos governos independentes.

As tradições orais nesse momento (anos 1970) ficam em alta, sendo exaltadas em rádio e transmitindo em profusão as narrativas dos “griots”, cujo papel de detentores da memória e das tradições coletivas é reabilitado. As novas fontes orais parecem privilegiar as tradições dinásticas e o elogio de heróis nacionais, exaltando as virtudes dos pais fundadores das novas nações independentes. Entretanto, no mesmo sentido, também contraditório, mesmo para a construção da história africana recente, algumas tradições orais ou crônicas escritas acabam mesmo por ocultar a presença e as ações francesas na conquista colonial, como lembra Barry.

O grande objetivo então parecia ser mesmo o de exaltar a figura do herói nacional para responder às necessidades do momento nessa fase da descolonização, que era a de construção de uma identidade nacional. Barry explicita que há neste momento, sem dúvida, uma simbiose entre o discurso histórico dos trabalhos de historiadores profissionais africanos e os discursos das tradições orais.

Assim, gradualmente países da África Ocidental, como o Senegal, vão desenvolver com mais ou menos intensidade, uma história nacional cuja a marca é a ruptura com o passado colonial, se apoiando nos valores africanos veiculados às tradições africanas.

Barry aponta, no entanto, que foi um erro dos historiadores se utilizarem de fontes orais como equivalente ou complementares às fontes escritas, pois as primeiras devem passar por um tratamento crítico assim como as segundas. Demonstra que o discurso histórico veiculado às tradições orais é manipulado em função das necessidades da sociedade por seus detentores, o que explica a importância do silêncio que o balizam. Apresenta assim, dentro desse contexto, que o silêncio mais pesado recaiu sobre a participação dos africanos no tráfico negreiro, que durou diversos séculos e teve um impacto de longa duração sobre as sociedades senegambianas.

Essas tradições orais literalmente ignoram o tráfico negreiro que foi reconstituído a partir dos arquivos e das relações dos viajantes europeus. Dessa forma, a África, pátria-mãe, aponta Barry, torna-se alvo de milhões de escravos que querem lembrar para sobreviver em numa sociedade cujo o racismo se constitui como fundamento da servidão.

Mamadou Diouf, em “L' Histoire du Kajoor au XIX siécle” põe em evidência a necessidade de tratar as tradições orais como um discurso histórico na mesma categoria que as obras acadêmicas de historiadores profissionais, que se utilizam apenas de documentos escritos. A manipulação das tradições orais leva em conta as preocupações das populações que fazem uma releitura de sua história, conforme a necessidade do momento.

A partir da conclusão de Barry pode-se evidenciar o erro dos historiadores no recurso às tradições orais. O autor aponta que durante anos os historiadores privilegiaram em seu trabalho a coleta e o uso das tradições orais, deixando de lado a reflexão acerca de suas funções dentro de uma sociedade oral. É evidente que as tradições orais, além do testemunho e informações que podem conter, constituem-se como discursos históricos.

As tradições orais em forma de crônicas, epopeias, entre outros, faz permanecer viva na memória coletiva um testemunho de um passado longínquo. Além disso, continuam também a serem produzidas a medida em que vão dando conta de sua aventura presente, pois como já dito, são antes de tudo, discursos históricos.

Dessa forma, nas sociedades orais, a função da memória é mais desenvolvida, da mesma forma que a ligação entre o homem e a palavra, de acordo com A. Hampaté Bâ. Segundo essa lógica, a coesão da sociedade reside no valor e respeito pela palavra. Não é apenas a história que depende da palavra, mas todas as instituições africanas repousam sobre a palavra oral, curandeiros, anciãos, todos tem um pacto de preservação das informações, e por isso as sociedades africanas acabam se organizando especialmente para isso.

Nas tradições africanas, a palavra falada possui um valor moral fundamental, um caráter divino vinculado à sua origem divina e às forças ocultas nele depositados. Muitos chegam a acreditar que as tradições orais africanas se limitam então a mitos e lendas mas, definitivamente, não é o caso. A tradição oral faz parte da construção de uma memória coletiva de uma dada sociedade africana, à medida que conduz o homem para a sua totalidade, isto é, cria um tipo de homem particular para esculpir a alma africana.

O silêncio que nela reside, faz parte da lógica de uma construção de uma memória, a partir das necessidades do momento presente, daqueles que detém do poder.

terça-feira, 23 de junho de 2015

Sardenha : praia, sol e política.


(Maria Luísa Coelho)

A Sardenha é uma das cinco regiões italianas autônomas, o que confere a ela o direito de criar suas próprias leis e realizar funções administrativas regionais. A ilha possui um conselho regional, uma junta regional e até um presidente.


O nacionalismo presente na Sardenha é um movimento social, cultural e político utilizado para promover a proteção dos interesses de seus habitantes, como da cultura e do meio ambiente da ilha. Sua população, há muito tempo, reivindica autonomia em relação à Itália. Eles baseiam seu pedido na visão de que a Sardenha tem uma herança cultural diferente e que a economia pode se beneficiar disso.

Atualmente, esse movimento é considerado bastante desarticulado por não possuir uma unidade política central. Ele é composto de várias organizações espalhadas por toda a ilha e mais de 5 partidos políticos regionalistas oficiais, que discordam entre si em muitas questões.

Recentemente, as principais reivindicações e críticas do povo "sardo" tem se concentrado nos danos ambientais causados por bases militares da OTAN, com forças americanas, europeias e italianas estacionadas na ilha. Mas as queixas quanto à exploração econômica acelerada dos recursos naturais da ilha por empresas continentais, aliado à falta de representação politica, tanto no governo italiano como no parlamento europeu, além do processo de despovoamento em curso na ilha, que poderá descaracterizar a cultura local, estão entre as principais pautas de reivindicação dos movimentos autonomistas da Sardenha.

Apesar destas tensões e insatisfações, o nacionalismo sardo tem sido um movimento pacífico, que não defende um separatismo violento, propondo atingir seus objetivos dentro de um quadro político democrático liberal.


Mesmo com todos essas tensões na esfera política, a Sardenha é um dos dos locais de maior visitação por turistas na Itália. É considerado o mar mais belo da Itália, possuindo diversas praias com águas cristalinas. O turismo é um dos setores de maior importância econômica da ilha. Além das praias, sua historia, suas tradições, a cozinha e sítios arqueológicos são bastante procurados por turistas que visitam a ilha.


Sardenha : mar e política.

Nova Zelândia : até no paraíso existem divisões...


(Rhayana Gonçalves)

Um dos países mais procurados pelos brasileiros para fazer intercâmbio, fazer turismo e até morar é a Nova Zelândia. Apesar de ser uma viagem de mais de 20 horas de avião e com um fuso de 15 horas de diferença, o país ainda continua chamando a atenção pelos seus muitos encantos.

Para começar os nativos são chamados de "kiwis", nome de um pássaro local que acabou batizando a fruta local que acabou mundialmente conhecida. O clima é muito agradável, entre tropical e temperado, e a geografia do país é conhecida pelo seu relevo extremo, muito apropriado para diversos esportes radicais, produzindo uma paisagem muitas vezes deslumbrante. Além disso, a população é conhecida por ser extremamente hospitaleira e o custo de vida é barato. Além dessas características marcantes, a qualidade de vida é excelente.

Porém até no paraíso existem divisões. A Nova Zelândia é composta por duas grandes ilhas, a Ilha do Norte e a Ilha do Sul. E, o que a geografia separou, acabou por influenciar a cultura e a política locais, numa história de séculos atrás. Em 16 de Novembro de 1840, as ilhas da Nova Zelândia foram separadas politicamente da colônia australiana de Nova Gales do Sul, constituindo-se numa nova colônia britânica. A própria Rainha Vitória designou o capitão irlandês William Hobson como seu novo governador.





Wellington, a capital, uma das lindas paisagens da Nova Zelândia

A ilha do Sul contava com uma pequena população Maori, o que facilitou a ocupação e colonização britânica, fazendo com que a economia local se desenvolvesse rapidamente, sendo a destinação preferida de investimentos e colonos. Enquanto isso, a resistência dos Maoris nativos na Ilha do Norte, atrasava o desenvolvimento da colônia britânica. Em 1861, o ouro foi descoberto em Gully, na região do Otago Central, o que provocou uma corrida do ouro. Dunedin logo se tornou a cidade mais rica do país, e muitos, na Ilha do Sul, começaram a ressentir-se da redistribuição de recursos para as regiões menos desenvolvidas na Ilha do Norte, especialmente para os pesados investimentos em segurança e exércitos, o que era percebido como um desperdício das riquezas sulinas.

Enquanto isso, no Norte, tanto as populações nativas como os colonos sentiam-se esquecidos e marginalizados pelas pelas cidades sulistas, o que se traduzia em disputas orçamentárias e administrativas. Somado às diferenças culturais e aos regionalismos, esse sentimento acabou por fermentar identidades diferentes entre as duas ilhas.

Em 1865, sob a liderança de Vogel, as lideranças provinciais de Auckland, no norte, e Otago (Dunedin), no sul, coordenaram seus interesses para demandar na Assembléia Geral, conjuntamente, a separação formal das duas ilhas e a constituição de duas colônias separadas. Esse movimento foi derrotado por 31 votos a 17, prevalecendo as ideias centralistas. Entretanto, desse movimento resultou, como medida conciliatória, a mudança da capital para Wellington, no extremo sul da Ilha Norte, localizada numa posição bem mais central.   

Os ecos desses movimentos regionalistas ainda podem ser ouvidos nos dias de hoje. Ainda no século 21, a Nova Zelândia tem dois partidos políticos regionalistas. Na Ilha do Sul, o Partido da Zelândia do Sul tem lançado candidaturas desde 1999. Seu sucessor, o Partido da South Island (2008), tem optado por não registrar candidatos para as eleições parlamentares, focando sua ações em campanhas não eleitorais, mas de conscientização.



A Nova Zelândia: um  país separado por duas ilhas.

E até hoje ainda a as reivindicações da parte da ilha do Sul para a sua independência, ou pelo menos, por maior autonomia. Com o pensamento de que, desde a união das duas ilhas numa unidade nacional, a parte Sul tem se desenvolvido de forma diferente, ou seja, com sua própria cultura, pensamento e até mesmo sua economia, tornando-a com interesses diferentes da ilha vizinha, a autonomia política seria uma resposta natural a esta diversidade.

A globalização e as epidemias mundiais


(Rodrigo Stankevicz)


O advento da globalização trouxe uma série de benefícios para o Mundo, porém, trouxe também malefícios complexos. A relação mais intensa entre países, a crescente interdependência crescente em vários domínios da vida social, têm afetado também a saúde pública mundial. Em tempos de conexões mais intensas, surtos epidêmicos locais acabam causando alertas para todas as nações. Neste contexto de globalização, uma simples doença viral, identificada em regiões remotas do planeta, pode acabar chamando a atenção e exigindo esforços da comunidade internacional para que seja controlada e não torne-se uma epidemia global. Os esforços são muitos, porém parecem ainda insuficientes para conter as demandas crescentes dos últimos anos. A capacidade de gestão de epidemias e de coordenação de ações parecem agora mais ineficientes ainda, diante dos novos desafios.


O último caso amplamente noticiado foi a epidemia de Ebola, iniciada em Serra Leoa, na África Ocidental. Uma epidemia local acabou tomando proporções globais por falta de uma mobilização imediata, de controle e contenção, e de coordenação de ações no plano internacional. Os vírus parecem ser uma boa ilustração dos problemas da globalização, pois como a informação, flutuam rapidamente por cima das fronteiras nacionais, enquanto as instituições existentes para o seu combate e controle, permanecem restritas ao âmbito nacional de ação. Um descompasso entre problemas de alcance global e instituições de alcance nacional. A coordenação, para estes casos, parece ser cada vez mais importante. 

No caso do Ebola, iniciado em dezembro de 2013, data do primeiro óbito registrado, foi classificada como um surto somente em março de 2014 e como epidemia em agosto do mesmo ano. Segundo o coordenador de emergências do "Médicos Sem Fronteiras-MSF", Henry Gray, em entrevista à BBC, houve demora na divulgação do surto e da epidemia pelas autoridades internacionais, mesmo após vários alertas emitidos pelos MSF. À época, Gray lamentou, "foi frustrante, claro, não ter sido ouvidos, e isso provavelmente levou à escala da epidemia que vemos hoje". 

Vários fatores contribuem para que as autoridades locais atrasem a comunicação da doença, como um otimismo na sua própria capacidade de controlar o problema, ou ainda até um temor de não perturbar o turismo ou a economia do país. Mas também no plano internacional, a coordenação de ações acaba sendo lenta também. A própria Organização Mundial da Saúde (OMS), admitiu a lentidão de todo o processo, quando sua diretora-geral, Margaret Chan, declarou em janeiro de 2015: "O Mundo inteiro, incluindo a OMS, foi muito lento para ver o que estava acontecendo diante de nós."


homem infectado com ebola é levado para quarentena em Serra Leoa. Peter Muller.


Nem só através de procedimentos médicos as epidemias são administradas, mas também com toda o poder da tecnologia e da capacidade de comunicação entre os organismos internacionais, promovendo uma rápida mobilização mundial. Na era da globalização, os surtos e epidemias não podem ser mais tratados isoladamente, como um problema local, ou protegidos pelos desejos de soberania nacional, como se fossem um problema único e exclusivamente do país afetado. Cada vez mais, as epidemias são, de fato, uma preocupação de todas as nações. Quando os países envolvidos no combate à epidemia, juntamente com a Organização Mundial da Saúde e outros órgãos, cometem falhas na comunicação e na coordenação, que atualmente tem uma precisão e instantaneidade singular, podem comprometer ainda mais vidas e acabar criando um caos dentro e fora do país atingido. As informações de um órgão ao outro devem ser claras para que a mensagem chegue à população e a quem ela é direcionada de forma precisa e esclarecedora. O desenvolvimento de capacidade política e institucional de coordenar ações entre governos e instituições no plano internacional se tornou numa variável importante de segurança, no caso das epidemias. 



Enfermeiros checam os equipamentos de proteção antes de 
entrarem na zona de alto risco de infecção em Serra Leoa. 
Anna Surinyach / MSF


Em entrevista à France-Press, Bill Gates demostrou preocupação com as epidemias mundiais , chegou a falar que a comunidade internacional precisa estar preparada para uma possível pandemia mundial. Também chamou a atenção do mundo para que utilizem-se as novas tecnologias no desenvolvimento de um plano para as possíveis crises. Gates ainda explicou a importância da comunicação e tecnologia, e seus impactos sobre a capacidade de coordenação internacional, no caso, para a prevenção de epidemias: “Nós usamos fotos de satélite para descobrir onde as pessoas vivem, o GPS dos celulares para ver se as equipes de vacinação estão indo a todos os lugares que precisam ir e fazemos uma análise estatística para ver se alguma criança não foi atendida. As novas tecnologias inovadoras vão nos permitir ver o que está acontecendo a um custo muito mais baixo".

Com a globalização, o mundo interligado como está, tornou-se um pequeno vilarejo, em que não há mais fronteiras que impeçam e ida e vinda de pessoas de várias partes do mundo, é claro, com raras exceções. Se chegamos a esta compreensão, necessário é tomar consciência de que qualquer decisão a milhares de distância de onde estamos pode interferir diretamente em nossas vidas, inclusive um pequeno surto em um lugar remoto.