quinta-feira, 2 de julho de 2015

Uma guerrilha evangélica nas florestas de Uganda

(Bruna Freitas)

Aproximadamente 1,6 milhões de pessoas sofrem diretamente com os conflitos em Uganda, especialmente entre o governo local e os rebeldes do Exército de Resistência do Senhor (Lord´s Resistence Army - LRA), que já duram mais de 20 anos.

O LRA é um grupo rebelde liderado por Joseph Kony, e se originou no norte do Uganda como um movimento para lutar pelos interesses do povo Acholi. Entretanto, o movimento liderado por Kony tem perdido apoio nos últimos anos, passando cada vez mais a apelar a ataques contra civis inocentes. Sua ação mais notória tem sido o sequestro de crianças para compor seu exército rebelde. Expulsos do país pelo exército ugandês, os rebeldes do LRA estão agora espalhados por regiões da República Democrática do Congo, República Centro-Africana e Sudão do Sul, onde ataques brutais continuam acontecendo em vilarejos.


A origem deste movimento guerrilheiro data do início dos anos 1980, estando ligado ao "Movimento do Espírito Santo", conduzido pela militante Alice Lakwena. O movimento ganha força se beneficiando da insatisfação da população de Uganda que, então, enfrentava grande instabilidade política e econômica, por ocasião do fim do regime de Idi Amin Dada, no ano de 1979. A repressão ao movimento por parte do governo resulta no exílio de Lakwena. Entretanto, um homem que se dizia ser primo de Lakwena, chamado Joseph Kony, assumiu a liderança do movimento, rebatizando-o em 1986 como o Exército de Resistência do Senhor. Kony inicialmente declarou que a missão da LRA era derrubar o governo e governar Uganda com base nos Dez Mandamentos. Entretanto, nos anos de declínio da popularidade do movimento, o movimento de Kony passa a apelar ao recurso de raptar crianças para servir, compulsoriamente e sob ameaças, como guerrilheiros.

Uma ex-prisioneira chamada Monique fala sobre seus momentos de terror nas mãos desse grupo terrorista. Em 2009, então com 14 anos, ela foi capturada juntamente com outras cinco adolescentes quando o LRA atacou Duru, a aldeia onde viviam, na Província Oriental da República Democrática do Congo. Neste ataque, Monique teve seu pai assassinado. 

As meninas foram levadas para viver na selva e se tornam parte dos efetivos da guerrilha, o que incluía a prestação de "serviços sexuais" aos guerrilheiros do LRA, vivendo sob constante vigilância e torturas. Como lembra Monique, "eu me senti muito mal, pois eu ainda era virgem quando fui entregue aos guerrilheiros, pensei que iria morrer, ou que iria
passar a vida inteira como escrava do LRA..."

No ano de 2012, esse conflito separatista no norte de Uganda volta a ganhar evidência com a divulgação, pelo You Tube, de um vídeo chamado "Kony 2012". Esse vídeo se torna viral e, em apenas quatro dias, acaba sendo visualizado por cerca de 39 milhões de pessoas. O vídeo, produzido pela ONG "Invisible Children", fazia parte de uma campanha mundial de denúncia contra o movimento ugandês, reprovando a prática de utilização compulsória de crianças como soldados. Muitas celebridades aderiram à campanha, como Angelina Jolie e, Rihana, Lady Gaga e Mark Zuckerberg. Repercussões no Tweeter mobilizaram milhões de pessoas, ao redor do #stopkony. A dimensão viral da campanha gerou a arrecadação de milhões de dólares pela ONG "Invisible Children". A campanha pregava a prisão do líder Joseph Kony para que fosse julgado como criminoso de guerra pelo Tribunal Penal Internacional.

Entretanto, além desta grande mobilização mundial, o vídeo como a campanha geraram também muitas repercussões negativas. Alguns críticos alegaram que a ONG "Invisible Children" não era transparente quanto às origens dos seus fundos, gastando quase a totalidade dos imensos recursos doados em altos salários e viagens, em vez de promover alguma forma de repasse para as próprias vítimas do conflito. Outros críticos levantaram sérias dúvidas sobre a veracidade dos fatos retratos no vídeo, e a respeitada revista "Foreign Affairs" acusou a ONG de deliberadamente distorcer fatos em prol do sensacionalismo e da arrecadação de fundos. Outros ainda acusaram o apoio governamental americano no financiamento da ONG, coincidentemente ou não, pregava a ideia de intervenção militar americana na região.

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