segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

O mercado global de caixinhas de fósforo - e suas disputas na OMC

( Marina Guimarães )

Sobre o peculiar mercado global das caixinhas de fósforo, constatamos que existem duas disputas registradas na OMC. De acordo com o próprio site da OMC, a primeira delas foi registrada em maio de 2001 e constitui um pedido por parte do Chile para verificação de uma série de leis e regulamentos mexicanos considerados abusivos e desnecessários, prejudicando as exportações chilenas de caixas de fósforo para o país azteca.

De acordo com os chilenos, fazendo referência à uma questão de 1993 em seu pedido anexado à OMC, o México insistia em classificar as caixinhas de fósforo chilenas como "produtos explosivos e perigosos”. Segundo os chilenos, esse mal-entendido, intencional ou não, causava enormes restrições de exportações, pois as autoridades mexicanas classificavam na mesma categoria aduaneira o elemento químico fósforo com os palitos de fósforos (cerillos, em espanhol), usados para acender cigarros. 


Desse modo, os fósforos chilenos vinham sendo objeto de fiscalização pesada por parte do Ministério da Defesa Nacional do México e, consequentemente, foram alvo de uma série de exigências relativas à embalagem, entrada, venda, transporte e armazenamento aplicáveis aos explosivos e outras substâncias perigosas.

Para as autoridades chilenas, esse artifício se constituía numa barreira técnica ou barreira não tarifária intencional com o intuito de proteger a indústria mexicana de caixinhas de fósforo. Ainda, de acordo com o Chile, essas medidas não são consistente com diversos artigos do Acordo TBT (1), do Acordo sobre Procedimentos para o Licenciamento de Importação (2) do próprio GATT.

Desde então, o Chile vem fazendo diversas consultas junto às autoridades do governo federal mexicano, com intuito de eliminar tais medidas. Como o país norte-americano não cedeu aos pedidos chilenos, esse, então, iniciou consultas junto à OMC nos termos do artigo XXII do GATT 1994 e do artigo 4 do Entendimento Relativo às Normas e Procedimentos sobre Solução de Controvérsias.

Pouco mais de uma quinzena depois, a União Europeia anexou um pedido de adesão de consultas com apoio ao artigo 4-11 do Órgão de Solução de Controvérsias. O representante europeu, ainda, mostrou interesse comercial e sistêmico em participar das consultas. No entanto, desde a anexação do pedido do Chile até cerca de três anos depois, o país sul-americano e o México mantiveram, com base nas boas relações políticas e comerciais existentes entre os dois países, conversas periódicas com o intuito de chegar a uma solução para a questão.

Como resultado de tais negociações, o Chile considerou, em documento anexado à ação na OMC em 05 de fevereiro de 2004, então, que suas reclamações foram devidamente atendidas pelo governo mexicano, de modo que retiraria formalmente o pedido para consultas no mercado mexicano e daria fim ao processo.

Entretanto, esta não é a única disputa diplomática no mercado global das caixinhas de fósforo. Na OMC uma outra reclamação foi formalizada em 2005, entre Paquistão e Egito. O governo paquistanês consultou a OMC sobre a legalidade dos procedimentos de anti-dumping adotados pela República Árabe do Egito. Ainda de acordo com o país sul-asiático, as práticas egípcias seriam incompatíveis com o conjunto de princípios da concorrência comercial consagrados pela OMC (as regras consolidadas no "GATT-1994"), bem como pelo Acordo Antidumping.

Especificamente, o Paquistão reclama em relação aos seguintes aspectos: (a) o Egito falha em fornecer os formulários adequados aos exportadores e ao governo paquistanês; (b) o Egito concede tratamento confidencial às informações contidas na petição da indústria nacional, sem exigir que as empresas forneçam real motivo para tal tratamento ou qualquer resumo não confidencial com detalhes suficientes que permitam uma compreensão razoável das informações apresentadas; (c) o Egito falha em divulgar os fatos essenciais que levam a decisão de impor medidas antidumping e em fornecer, aos exportadores paquistaneses, uma oportunidade completa de defender seus interesses; (d) o Egito determina a existência de material prejudicial à indústria doméstica; (e) na determinação egípcia de que existe uma relação de causa e consequência entre a prática de dumping e o prejuízo grave à indústria doméstica.

Por esses motivos, o Paquistão julgou que o Egito não tem suas práticas alinhadas aos princípios básicos da OMC e, sendo assim, requereu o estabelecimento de um “painel”, no qual China, União Europeia, Japão e Estados Unidos reservaram seus direitos como “terceiras partes” interessadas.

Cerca de um ano depois, em março de 2006, ambos os países informaram que haviam chegado a uma solução consensual, acordada em relação ao artigo 3.6 do Órgão de Solução de Controvérsias, na forma de contratos de compromisso de preço entre exportadores paquistaneses envolvidos e as autoridades investigadoras egípcias.

Como se pode notar, o primeiro caso apresentado resultou de um mal entendido entre Chile e México, levando dois anos para ser resolvido, sem maiores problemas. Já o segundo, resolvido mais brevemente, foi fruto de medidas protecionistas, o grande mal que a OMC tem de controlar nos dias de hoje. Desse modo podemos perceber que ambas as disputas no mercado global de caixinhas de fósforo foram resolvidas satisfatoriamente e relativamente em um curto ou médio prazo.


Notas :

(1) - Como dito no site do Inmetro, o Acordo sobre Barreiras Técnicas ao Comércio, TBT, tem como objetivo garantir que normas, regulamentos e demais procedimentos, elaborados por países-membros da OMC, não se tornem obstáculos desnecessários ao comércio. Atendendo ao princípio da transparência, o Acordo TBT determina, o estabelecimento de um ponto de investigação e notificação em cada país membro, disseminando, assim, informações sobre as propostas de regulamentos notificadasà OMC.
(2) - O Acordo sobre Procedimentos para o Licenciamento de Importação, de acordo com documento extraído do Itamaraty, tem como objetivo garantir que os procedimentos administrativos utilizados para implementar regimes de licenciamento de importações estejam de acordo com as disposições da OMC (as regras consolidadas no GATT-1994)

Referências :

INMETRO. "O que é TBT ?". Disponível em: <http://www.inmetro.gov.br/barreirastecnicas/faq/tbt.asp>. Acesso em: 25/09/2013.

ITAMARATY. Acordo sobre procedimentos para o licenciamento de importações. Disponível em: <http://www.itamaraty.gov.br/o-ministerio/conheca-o-ministerio/tecnologicos/cgc/solucao-de-controversias/mais-informacoes/texto-dos-acordos-da-omc-portugues/1.1.10-acordo-sobre-procedimentos-para-o-licenciamento-de-importacoes/view>. Acesso em: 25/09/2013.

WTO. Egypt - Anti-Dumping Duties on Matches from Pakistan. Disponível em: <http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/cases_e/ds327_e.htm>. Acesso em: 27/09/2013.

WTO. Mexico - Measures Affecting the Import of Matches. Disponível em: <http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/cases_e/ds232_e.htm>. Acesso em: 25/09/2013.

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