quinta-feira, 19 de abril de 2012

O Brasil, o BRICS e seus parceiros

(Fernando Padovani)

Realizou-se em Nova Delhi neste final de março a segunda cúpula dos países BRICS, com a presença dos chefes de Estado deste novo bloco de cooperação. Ali, foram discutidas algumas estratégias de consolidação desta organização, tais como ampliação dos acordos monetários e tarifários para o comércio exterior, mecanismos de cooperação científica ou ainda a proposta de constituição de um banco de desenvolvimento do bloco. Trata-se de projetos importantes, que contribuirão sem dúvida para agregar conteúdo a esta iniciativa.

Entretanto, os resultados mais concretos que poderão resultar da reunião serão sempre aqueles relacionados com a própria consolidação do bloco do ponto de vista estratégico, mobilizando seus membros em torno dos objetivos estratégicos comuns dos membros do grupo. Mais que interesses comerciais de curto prazo, o bloco busca objetivos de longo prazo de natureza negocial e, para isso, tem diante de si o desafio de consolidar e ampliar o grau de coesão interna e de articulação do grupo.

São comuns análises no sentido do questionamento da "coerência" econômica ou comercial do bloco, tendo em vista sua complementaridade ou não dos interesses exportadores, ou ainda sobre a artificialidade ou não da composição deste agrupamento de países tão diversos, tanto do ponto de visto geográfico como da estrutura econômica. Entretanto, a coerência que anima a institucionalização do grupo repousa sobre os interesses comuns de caráter estratégico das quatro maiores economias emergentes, contando recentemente com a incorporação da África do Sul, com representatividade emergente por ser a maior economia africana.

Este grupo representa hoje um quinto do PIB mundial, e seu peso relativo não pára de aumentar, tendo em visto o encolhimento do G-7, resultado da crise e a recessão originada em 2008 nos mercados financeiros do hemisfério norte. Embora também afetadas pela recessão mundial, estas grandes economias emergentes passaram praticamente ilesas pela crise, sobretudo em termos comparativos, ao considerarmos o tamanho dos problemas enfrentados por EUA, Europa e Japão. Ao contrário, muitas economias emergentes se beneficiaram com a crise, conquistando novos mercados, reconstituindo suas reservas internacionais, saneando o perfil do endividamento público, com a possibilidade de alongamento da dívida. A manutenção de um elevado volume de entrada de investimentos estrangeiros diretos mas também financeiros nessas economias, a manutenção de elevadas taxas de crescimento na China e na Índia, e a relativa estabilidade dos mercados financeiros emergentes são elementos que parecem confirmar um certo descolamento dos problemas europeus.

Essa conjuntura representou de fato um aumento relativo de importância das maiores economias emergentes, colocando sobre a mesa o debate sobre uma paralela reorganização das relações de influência na economia mundial. Ainda sem iniciativas concretas nesse sentido, as demandas por parte das economias emergentes aparecem, especialmente por parte das quatro maiores, reivindicando maior participação nos centros de decisão da economia mundial, ou seja, reivindicando mais voz, vez, voto e veto. Seria esse contexto de reordenação da influência econômica que forjaria entre esses países BRICS interesses imediatos, táticos, pontuais e, por isso, provavelmente transitórios, para a atuação coordenada, na forma de grupo. Por essa razão, é preciso ter em mente que, mais do que um projeto de integração comercial e econômica, a bandeira dos BRICS deve ser entendida como um elemento de pressão dentro do processo, que na verdade nem foi iniciado, de reordenamento de forças na economia mundial.

O que atribui coerência ao bloco BRICS seria então justamente a dispersão geográfica e a heterogeneidade econômica de seus membros. Seria exatamente por não possuir dinâmicas naturais ou inerciais de cooperação, baseada na complementaridade econômica ou em proximidades de qualquer ordem, a não ser as demandas por uma participação emergente, que o bloco pretende construir dinâmicas institucionais de cooperação.

Os encontros periódicos, os protocolos de intenção, as declarações protocolares, e uma série de iniciativas variadas contribuem para a consolidação de uma dinâmica institucional própria, focada essencialmente na construção de uma identidade do bloco, externa mas, sobretudo, interna entre os países membros. Esta ritualística institucional em matéria de cooperação internacional deverá contribuir para que opinião pública, decisores empresariais, diplomacia, parlamentares, governos interiorizem a percepção de que esta diversidade geográfica e comercial possui interesses comuns, de que o bloco é um critério de decisão, e que os benefícios da cooperação, apesar de serem difusos e de longo prazo, são bastante concretos, relacionados à barganha por espaços de influência em benefício do grupo.

Nesse sentido, os BRICS vêm cultivando a elaboração de estratégias conjuntas, focadas basicamente na ação conjunta nos fóruns negociais internacionais, especialmente o recém constituído G-20, emprestando apoio em troca de vantagens coletivas, sempre no intuito de negociar configurações e reformas onde os BRICS venham a ter maior influência. São exemplos dessa iniciativa a proposta de reconfiguração do FMI, especialmente do que diz respeito à sua estrutura de cotas e decisão, e também na reconfiguração do B.I.S., a instância de regulação dos mercados financeiros, onde os BRICS não têm participação. Ou ainda apoio de cada país a questões de interesse dos demais membros do bloco dentro das negociações da OMC. Ao mesmo tempo, Índia, África do Sul e Brasil pretendem potencializar através do bloco suas demandas de assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, contando para isso com apoio dos membros China e Rússia.

Este esforço de lobby estratégico coordenado por estes países emergentes na forma da institucionalização dos BRICS tem a lógica e o momento, aproveitando o momento de crescimento próprio e aproveitando os problemas econômicos dos países de industrialização antiga, que já foram ricos e hoje se tornam caros, e enfrentam problemas de solvência e de produtividade decrescente. Mesmo assim, este processo está longe de ser automático. A estratégia central dos governos americano e europeu no front estratégico tende a ser de resistência e de protelação de decisões estruturais apenas para depois da recuperação econômica.

Além disso, os resultados do BRICS dependem diretamente da taxa de coerência e de coesão coletiva, o que parece ser uma tarefa ainda apenas em processo de construção. As tentações dos membros de divergir para atender os interesses nacionais mais diretos são constantes e importantes. O Brasil tem dificuldades de se alinhar às demandas de protecionismo agrícola da Índia, na sua condição de grande exportador de agro business. China e Índia têm divergências estratégicas e geopolíticas importantes no contexto asiático, especialmente aquelas envolvendo o apoio chinês aos vizinhos indianos. Brasil e Índia têm adotado medidas protecionistas orientadas especificamente às manufaturas chinesas, exatamente por sofrerem com a valorização de suas moedas e enfrentarem os impactos da retomada chinesa da política de desvalorização do yuan. E embora a China perceba a possibilidade de ganhos com a participação nos BRICS, a percepção de seu comprometimento de adesão ao grupo vem sempre acompanhada de suspeitas, em função da importância e da diversidade de sua influência global já consolidada.

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