quinta-feira, 17 de abril de 2014

O Estudo de Relações Internacionais na Argentina

(Gabriela de Souza Moreira)

O ensino e estudo das Relações Internacionais como uma disciplina cientifica são muito recentes. Na Argentina, segundo dados do Ministério de Educação, as instituições “Universidad del Salvador”, “Universidad Católica de Córdoba” e a “Universidad Católica de La Plata”, foram, as primeiras a oficializar os cursos de Licenciatura em Relações Internacionais, na metade dos anos 70.
Porém, a instituição pioneira em estudos internacionais foi a “Universidad Nacional del Litoral”, hoje “Universidad Nacional de Rosário”, já que esta, desde 1929, oferece disciplinas de Estudos Internacionais em seus cursos de graduação.

Em 1960 começou a se popularizar o estudo de temas internacionais nas universidades argentinas, especialmente nos cursos de Ciências Políticas, como se verificou nas universidades del Salvador, Católica de Córdoba, Católica de Kennedy e na Universidad Nacional de Cuyo. Foi nesse período (1963) que foi fundado o Instituto de Serviço Exterior da Nação, dedicado a oferecer formação acadêmica para os futuros diplomatas, institucionalizando e democratizando o acesso aos postos diplomáticos, tradicionalmente reservados aos aristocratas do país.

A popularização dos cursos de Relações Internacionais se deve às mudanças ocorridas no cenário internacional ao longo da década de, quando as tradicionais abordagens baseadas nas questões de estratégia e segurança passaram a dividir espaço com as questões econômicas, sociais e culturais. Ao mesmo tempo, passa-se a observar a progressiva profissionalização das Relações Internacionais, em um contexto de grandes transformações cientificas e tecnológicas, afetando todo o campo do saber. Mesmo que a América Latina tenha acompanhado com certo atraso o debate internacionalista, liderado especialmente pela produção acadêmica americana, o continente não se manteve à margem, originando até movimentos como o chamado Novo Internacionalismo Latino Americano.

A década de 80 teve um impacto significativo no ensino, aprendizagem e investigação dentro da área das Relações Internacionais. O retorno a vida democrática, na Argentina, simbolizada pela eleição do presidente Raúl Alfonsin, em 1983, permitiu que a área de Relações Internacionais se dedicasse a projetos não estritamente ligados aos interesses de Estado, como as pesquisas excessivamente ligados às questões Geopolíticas e Segurança, o que serviu como base para, ao longo da década de 90, a expansão dos centros de ensino.
Na Argentina, a invasão das Ilhas Malvinas, em 1982, apressou o fim da ditadura. A derrota para os ingleses levou à queda da última junta militar, já enfraquecida pela insatisfação do povo com os rumos da economia e a repressão, o que representou num estímulo decisivo para a diversificação temática na área.

De um ponto de vista atual, pode se considerar que os anos 80 significaram para a disciplina um ponto de inflexão, pois a Guerra das Malvinas demonstrou a pouca profissionalização que havia no país com respeito a essa temática: um profundo vazio existente em questões referentes à realidade internacional, tanto na sociedade quanto no próprio Estado.

Em 1990, com o termino da Guerra Fria e aceleração do processo de globalização, os centros dedicados ao ensino das Relações Internacionais na Argentina se expandiram um pouco mais, e muitos deles colocaram especial atenção nas questões econômicas.

Até este momento, dezoito universidades e institutos da Argentina (públicos e privados) possuem cursos de graduação em Relações Internacionais. Além disso, existem mais 25 que possuem pós-graduações, mestrados e especializações em Relações Internacionais, Politica Internacional, Estudos Internacionais, Negócios Internacionais, Integração Regional e outras disciplinas similares com conteúdos similares.  

No debate internacional é possível reconhecer duas grandes tradições no estudo desta disciplina: a americana e a europeia. A primeira reconhece as raízes das Relações Internacionais localizadas nas Ciências Políticas. No continente europeu as posturas são menos unívocas identificando as origens da disciplina ou no Direito, na Sociologia ou ainda na História.

Na Argentina, essa discussão parece indefinida. Por um lado, as profundas raízes culturais europeias se manifestaram também no campo da disciplina de Relações Internacionais, fazendo com que na maioria dos projetos de curso as heranças europeias se manifestam, dedicando ênfase às abordagens históricas. Entretanto, de outra parte, alguns cursos seguem a tradição americana de forte enfoque político.

Stanley Hoffman, professor de Política Internacional em Harvard, afirma que Relações Internacionais poderiam até ser consideradas como uma “ciência social norte americana”, tamanha a influência americana na produção da área, com a bibliografia amplamente dominada pela produção no idioma inglês. Felizmente, entretanto, nos últimos anos, pode se verificar o significativo aumento das publicações em espanhol, com grande contribuição das editoras argentinas.

Na América Latina, ainda que se possa mencionar o México (com a Universidade Nacional Autônoma do México) e, em menor medida, o Chile (com seu Instituto de Estudo Internacionais da Universidade do Chile) e o Brasil (com o Instituto Brasileiro de Relações Internacionais-IRI) como países que estão na vanguarda, ainda se transita por uma etapa que podia classificar-se como inicial.

Na Argentina os resultados são mais tímidos que nos países citados e, quanto ao ensino, mesmo contando com institutos de Relações Internacionais de reconhecida trajetória e reputação internacional, se observam deficiências nas universidades. No geral tem que se contentar em compartir o espaço com outras Ciências Sociais, especialmente com as Ciências Políticas ou com o fato de estar incluída em outras faculdades como Direito, a citada Ciências Politicas ou, de modo mais genérico, as faculdades de Humanidades. Se o problema se reduzisse exclusivamente a uma questão administrativa não seria muito relevante, mas as dificuldades põe em evidencia a ausência de um acordo quanto a natureza das Relações Internacionais como saber cientifico e acadêmico. 

Entre os autores locais, o destaque é para a produção relativa à política externa argentina, tendo como analistas precursores Juan Bautista Alberdi (1810-1884), autor do clássico “El Crimen de la Guerra”, além de Joaquín Gonzalez (1863-1923), autor do livro “Politica Internacional”. Nos anos 40 podem-se citar obras como “Política Internacional”, de Nicolás Repetto. Um escritor muito fértil nessa área foi Lucio Moreno Quintana, e entre seus obras se encontram os clássicos “Politica Internacional de la Republica Argentina”, editada pela Universidade de Buenos Aires em 1943, além de “Elementos da Politica Internacional”, obra dedicada tanto à teoria da Politica Internacional e à politica internacional argentina.

Como se pode observar o foco continua sendo os temas da Politica Exterior. Talvez a obra de mais destaque e mais completa de todas seja o “Manual de Politica Internacional”, de Mario Amadeo, um autor de defende o uso do termo Politica Internacional no lugar de Relações Internacionais para denominar a disciplina.

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