quarta-feira, 2 de maio de 2012

Análise de Conjuntura Internacional de Myanmar


(Lucas Cilento)

Myanmar, ou Birmânia, como era tradicionalmente conhecido, esteve durante um período de 62 anos (1824-1886) sob domínio britânico, incorporado como parte do seu império indiano. A Birmânia foi província da Índia até 1937, passando a ser uma província autônoma naquele ano até que, em 1948, consegue a sua independência total, tendo como presidente Sao Shwe Thaik e como primeiro-ministro, U Nu.

Assim, fugindo do padrão da maioria das ex-colônias britânicas, a Birmânia não adere ao “Commomwealth of Nations”, grupo de cooperativismo internacional patrocinado pelo Reino Unido. Durante os anos de 1962 a 1988, o país foi controlado pelo general Ne Win, primeiro como ditador militar e, depois, como presidente eleito por colégio eleitoral. Problemas econômicos combinados com repressão política provocaram manifestações generalizadas pró-democracia no final dos anos 1980. Nesse momento, forças de segurança sufocaram as manifestações, provocando a morte de centenas de pessoas. Essas mobilizações resultaram num golpe de estado liderado pelo general Saw Maung que, em 1990, cria o Conselho de Estado para a Restauração da Lei e da Ordem que, na prática, seria o responsável pelo governo do país.

Em maio de 1990, o novo governo militar promoveu eleições livres pela primeira vez em quase 30 anos. A Liga Nacional pela Democracia, principal partido da oposição, liderado por Aung San Suu Kyi, o principal ícone da oposição ao regime militar, ganhou 392 dos 489 assentos da Assembléia Popular. Entretanto, os resultados foram anulados pelo Conselho de Restauração da Ordem, se recusando a deixar o poder.

A liderança do movimento de democratização rendeu notoriedade a Aung San Suu Kyi, que acabou recebendo o prêmio Nobel da Paz no ano de 1991, pela sua "luta não-violenta em favor da democracia e dos direitos Humanos", segundo o Comitê do prêmio. Entretanto, a militante birmanesa nunca pôde ir a Oslo para receber pessoalmente este prêmio, pois estava em prisão domiciliar desde 1988.

Em janeiro de 2011 o antigo primeiro ministro é eleito presidente, Thein Sein, apesar da maioria dos parlamentares serem militares ou ex-militares, e o governo inicia uma série de reformas políticas e econômicas no país, incluindo a soltura de presos políticos, a elaboração de acordos de paz com minorias étnicas armadas, a redução da censura da mídia e a abertura de debates parlamentares, como a eleição de membros do parlamento por meio de votação a partir de abril de 2012. No entanto, apesar da abertura política, ainda se considera que o país viva sob um regime de ditadura militar.

A Birmânia faz fronteiras com Bangladesh, China, Índia, Laos e Tailândia e conta como principais setores da economia os setores extrativos de petróleo, zinco, tungstênio, carvão, pedras preciosas e gás natural, além da grande produção alimentar de arroz. Este país rico em matérias-prima sofre com a falta de transparência de seus governos autoritários e com elevado nível de ineficiência e corrupção. Apesar do significativo aumento das receitas de exportação de gás natural, e da onda de investimentos chineses, as condições socioeconômicas não apresentaram melhoras significativas, devido aos problemas de gestão pública e dos constantes problemas de gestão macroeconômica, como gestão da taxa de câmbio, sobrevalorização artificial do Kyat (moeda local), câmbio negro, evasão de divisas, ausência de crédito comercial, juros elevados e inflação elevada. Aproximadamente 32% da população vivem abaixo da linha de pobreza e a Birmânia é considerada o país mais pobre do sudeste asiático.

Outras áreas, como manufaturas, turismo e serviços, ainda lutam contra a pobre infraestrutura do país, o pouco desenvolvimento do capital humano, devido a sistemas de educação e saúde deficitários. O sistema financeiro local encontra-se muito restringido, com baixo nível de acesso ao crédito, uma vez que os bancos privados operam com grandes limitações.

A limitação do crédito ao pequeno produtor rural foi bastante minimizada no vizinho Bangladesh, através da disseminação de estratégias de microcrédito, concedido às mulheres de cada família, provocando melhorias visíveis na evolução na produção, na renda e no nível de consumo das famílias que, na média, se multiplicou por 2.

Outro grande problema enfrentado pela Birmânia tem sido o trafico de pessoas, que são agenciadas na direção das grandes cidades e dos países vizinhos, para serem usadas em trabalhos semi-escravo e para a prostituição. Jovens e crianças birmanesas são encaminhadas aos campos agrícolas na Tailândia e mulheres são encaminhadas para Malásia, Tailândia, Índia e China, tanto para o trabalho doméstico servil como para a exploração sexual.

Myanmar é dividido em 7 estados, um deles sendo Arakan, onde vive uma minoria muçulmana, denominados Rohingya, que vivem no noroeste do país e se assemelham cultural e linguisticamente aos bengalis, o grupo étnico predominante em Bangladesh. Esse grupo, segundo a Anistia Internacional, tem sofrido perseguições e violações dos direitos humanos sob o governo militar birmanês. O motivo é que a maioria dos Rohingya é uma população sem cidadania. Não reconhecidos como birmaneses pela própria Birmânia, e ao mesmo tempo marginalizados e tratados como indivíduos sem direitos no Bangladesh, acabam por ser privados de uma pátria de acolhimento e até mesmo do direito de requerer asilo. Com isso, cerca de 20.000 Rohingyas estão vivendo em campos de refugiados da ONU em Bangladesh, e outros cerca de 200.000 vivem ilegalmente em Bangladesh. Os próprios Rohingya foram obrigados, em 2010, a construir uma cerca de arame farpado, para deter o movimento migratório praticado por seu próprio povo na direção do Bangladesh, com o intuito de amenizar a tensão causada na fronteira, ocupada militarmente. Esta cerca tem aproximadamente 200 km, e percorre boa parte da fronteira com o Bangladesh.

As reforma necessária para Miamar parecem já terem sido iniciadas, em grande parte por pressão externa. A grande mobilização da opinião pública internacional pela democratização do país, iniciada em 1988, os movimentos pela libertação Aung San Suu Kyi, em 1991 e, mais tarde, os protestos dos monges em setembro de 2007, com a morte de cerca de 100 monges manifestantes, tem sido acompanhada e apoiada por organizações não-governamentais ocidentais, como a “Free Burma Coalition”, criada em 1995, para tentar libertar o país da ditadura militar. Empresas multinacionais tem contribuído para financiar muitas ONGs, tais como a ARCO, Pepsi e Texaco, que foram obrigadas a abandonar o país nos anos 1990 pela ditadura militar. A militância da mídia americana também tem sido um fator importante de pressão, ao repercutir bastante as ações de repressão do regime militar, provocando a reação e o engajamento das redes sociais alternativas, como o movimento dos blogueiros americanos.

Diante dessa mobilização internacional, o fim da ditadura em Miamar pode ser uma questão de tempo, para alguns analistas, visto que Austrália, Reino Unido e Estados Unidos são os principais pivôs desse movimento de transição de governo. Por outro lado, a China tem sido o principal avalista do atual governo, recebendo como contrapartida a exclusividade de exploração dos recursos minerais birmaneses. Com a esperada queda do governo militar, espera-se que o país volte a se abrir, voltando a receber investimentos de empresas e governos ocidentais, dinamizando a economia local. Contudo, as tensões étnicas despertadas com a crise econômica e a repressão política, podem cobrar seu preço em termos de uma estabilização demorada, e o país poderá continuar a ser um dos principais focos de tensões nos sudoeste asiático, exportando instabilidade para seus vizinhos, especialmente Bangladesh e Tailândia.

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