quarta-feira, 2 de maio de 2012

Camboja: uma análise da conjuntura internacional

(Raisa Gaio)

      Zona de confluência de grandes civilizações do Extremo Oriente, a península da Indochina fica no extremo sudeste da Ásia, entre o mar da China meridional, o golfo de Sião e o oceano Índico ao sul; e a China e o Tibete ao norte. A sua história turbulenta mostra o choque causado pelos diversos povos que ocuparam e colonizaram seus vales, dentre eles com destaque a dois pequenos países, característicos pela riqueza de suas culturas milenares, suas histórias conturbadas envolvendo longos períodos de dominação francesa, o Laos e o Camboja.

A história desses dois países, diretamente atrelada a Indochina, é marcada pela influência francesa na região do vale do Mekong até o mar da China Meridional, que data do século XVII, com a vinda de missionários franceses, na tentativa de restaurar e disseminar as idéias do catolicismo, enfraquecidas pela expansão da doutrina teológica de Calvino. A partir do século XIX, a expansão dessa influência na região possibilitou a ocupação de Saigon e a incorporação do Camboja como protetorado francês com vasta aceitação popular visto o cenário de disputas entre diversos povos, inclusive os chineses. No final do século XIX, a ocupação é consolidada com o reconhecimento da China sobre a soberania francesa dos territórios sob a relação de protetorados e a formação da União Indochinesa em 1877 com a integração dos territórios ocupados. Dentre os objetivos da ocupação, destaca-se o interesse no domínio de uma região estratégica no sudeste asiático capaz de estabelecer relações estreitas e diretas de comércio com a China e com saída direta para o Mar Meridional, a busca por áreas de influência ao redor do globo, vista a disputa substancial por territórios com a Grã Bretanha desde a guerra do ópio e a busca por matérias primas inexistente no território francês.

A instauração de um protetorado colonial na Indochina deu aos franceses a autoridade de intervir nas questões diplomáticas, políticas, econômicas e militares da região, regulando todo o fluxo de mercadorias, o monopólio da triangulação do ouro e ópio o que favoreceu para o crescimento da economia francesa.

A partir de 1940, foram iniciadas as incursões japonesas, última das quais, em 1945, pôs fim a administração francesa na região, instaurando a independência do Vietnã, que irá acarretar sua posterior divisão em áreas de influência americana e russa, dando inicio a então Guerra do Vietnã . Após a queda do governo japonês no final da Segunda Guerra Mundial, os franceses restauraram o domínio sobre o Laos e o Camboja, inaugurando a Federação Indochinesa que supostamente faria parte de uma nova União Francesa, reconhecendo o Vietnã como Estado independente. O estabelecimento dessa União nunca foi feita, na medida em que a retaliação do Vietnã ao domínio francês (Primeira Guerra Indochinesa) fomentou o crescimento do sentimento nacionalista dos povos da região aliada à pressão internacional atrelada ao princípio da igualdade entre os povos advindo com o fim da Segunda Guerra Mundial, que culminou no reconhecimento oficial das independências de todos os protetorados franceses da Indochina com assinatura dos tratados na Conferência de Genebra em 1954.

Desafios internacionais do Camboja

O Camboja permanece um dos países mais pobres do sudeste asiático e a sobrevivência do seu povo é um desafio no que concerne a maioria da população, visto seus cenários naturais adversos e, sobretudo sua conturbada vida política. De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (UNDP) o Camboja apresenta um grau de pobreza maior que a Mongólia e El Salvador; e ficando ao lado da Mauritânia no que concerne ao grau de Transparência Internacional.

No que concerne aos aspectos políticos do país, o Camboja foi quase completamente destruído durante anos de conflitos internos regionais, principalmente após a guerra civil instaurada no país nos anos 60 marcando as disputas entre movimentos extremistas de direita e os comunistas. O regime comunista do Khmer Rouge ou Khmer Vermelho, instaurado de 1975 até 1979, foi certamente o período mais obscuro da sua história, resultando em um genocídio de mais de 15% da população e o colapso das estruturas sociais e da economia do país. A tentativa de restauração da paz e reconstrução do país foi feita entre 1991 e 1993, como resultado de uma missão das Nações Unidas.

A situação política recente é baseada em uma extrema valorização da personificação do poder e em praticas autoritárias. O primeiro ministro Hun Sem – no poder desde 1985 – é um dos líderes asiáticos de mais tempo no exercício do poder e tem como característica um governo centralizador. O Estado cambojano é caracterizado pela falta de eficiência do sistema judiciário, a contínua repressão a oposição partidária e a corrupção, que são atribuídas a heranças deixadas pelo regime comunista do país estabelecido pelo governo do Khmer Rouge.

Atualmente as tentativas de cooperação econômica representam um dos principais desafios do Camboja. Como exemplo dos progressos atingidos até agora, o país, desde 1999, faz parte do processo de Integração regional da Ásia (membro da Associação de Nações do Sudeste Asiático-ASEAN) e foi o primeiro dos países menos desenvolvidos a fazer parte da Organização Mundial do Comercio em 2003. A necessidade de desenvolver competências e mecanismos de suporte a cooperação econômica nesse processo é fundamental e o enfoque ao investimento no capital humano deve ser chave para a competitividade econômica com a ASEAN e o mundo. Também como parte desse processo, a descentralização política foi iniciada em 2001, visando separar as esferas política da econômica e assim alavancar o processo de governança no país.

A economia do Camboja tem se mostrado relativamente dinâmica nos últimos anos, superando alguns países do próprio sudeste asiático, apresentando um crescimento de 10% ao ano em 2004; e após a crise de 2009/2010 uma média de 6% ao ano.(UNHCR, 2010)

Uma das maiores fraquezas econômicas do Camboja é a falta de diversificação tanto da sua produção quanto dos seus parceiros comerciais. A exemplo de ilustração desse quadro, a agricultura, o turismo e setor têxtil do país são responsáveis por cerca de 70% do PIB. Como resultado dessa falta de diversificação, o Camboja é extremamente vulnerável a variações e crises externas. Suas exportações são direcionadas a poucos clientes estratégicos (em particular os EUA, que atua em mais de 54% das exportações do Camboja). Esta é a razão pela qual na crise internacional as exportações do país sofreram uma drástica redução gerando um déficit de US$ 1.8 milhões em 2008. Esse cenário tende a seguir por mais algumas décadas, caso não haja uma reestruturação da planificação econômica no país, quase inexistente desde o governo comunista.

Financeiramente, o Camboja é altamente dependente de investimentos e ajuda internacional. Além disso, a economia do país é extremamente dolarizada, o dólar americano corresponde a mais de 90% da moeda em circulação no país. Essa dolarização garante uma taxa de câmbio estável, porém também parece reduzir o potencial de arrecadação do país. O projeto de abertura de uma bolsa de valores no final de 2010 representa uma real oportunidade para o Camboja começar a atrair mais investidores.

Ainda hoje as tentativas de manutenção da paz nas fronteiras do país se veem frustadas na medida que ainda é contante o aparecimento de conflitos envolvendo países vizinhos a exemplo da Tailândia. Porém os esforços cada vez maiores da resolução dessas controvérsias por vias diplomáticas e a participação ativa em organizações intergovernamentais como também não-governamentais, têm mostrado o avanço alcançado pelas missões da ONU no país.

Quanto ao que concerne os aspectos sociais, o grupo étnico majoritário é o mon-khmers, representando 90% da população e o Budismo volta a ser, após sua proibição em 1975, a religião mais difundida no país. Com isso posto, a sociedade cambojana é de certa forma homogênea e os riscos do surgimento de tensões sociais é relativamente baixo. Entretanto a sociedade é caracterizada por fortes desigualdades sociais com um elevado nível de pobreza (66.5% da população sobrevive com menos de US$2 por dia, segundo a UNHCR, 2010). Com relação as questões de saúde e educação, uma porção muito pequena do orçamento do governo é destinado a esses setores.

As pressões demográficas constituem um dos maiores desafios do Camboja para as próximas décadas: 36% da população se constitui de jovens abaixo de 14 anos. O recente êxodo rural representa uma ameaça a estabilidade social caso o governo não mude suas políticas de investimento de planejamento nas áreas rurais e urbanas.

Um dos temas mais fundamentais do Camboja é a política de distribuição de terras. A privatização de terras no país é um ato relativamente recente e o Estado ainda detém cerca de 75% das terras. O governo dessa forma permite “Concessões Econômicas de Terra”, onde empresas estrangeiras podem comprar terras e explorar seus recursos sem que a população local receba qualquer benefício dessa exploração. O processo de geração de concessões tem resultado na expulsão dos camponeses de suas terras.

O Camboja está localizado em uma das áreas mais vulneráveis em relação a mudança climática, visto que atualmente os desastres naturais tem sido cada vez mais frequentes e intensos, a exemplo do fenômeno das monções. Visto isso, o país poderia ser um possível destino para refugiados do clima, principalmente vindos de regiões vizinhas como o Vietnã e a Tailândia.(CNN, 2011)

Os recursos naturais do Camboja são inexpressivos, porém suas poucas reservas de sal, fosfato, calcário e uma pequena reserva de pedras preciosas no noroeste são amplamente explorados. As reservas aquíferas do Mekong e do lago Tonle Sap são consideráveis. A cerca de uma década, foram encontradas jazidas de petróleo e gás na costa cambojana o que representa uma potencial fonte de arrecadação para o país.

Porém, concessões de terras e a difusão da super exploração dos recursos naturais do país têm representado não só uma ameaça para a população local, mas também uma ameaça econômica e ecológica. O desflorestamento se tornou um sério problema no que diz respeito a erosão do solo e a seca dos rios, o que pode significar um cenário perigoso para a agricultura do país e suas exportações.

A ação da ONU no desafio de desenvolvimento do Camboja

A ONU tem uma longa história de atuação no Camboja que data desde antes de 1950. O programa da ONU foi interrompido entre 1975 e 1979, durante o governo do Khmer Rouge, porém a retomada da assistência se deu após a queda do governo comunista, auxiliando na reabilitação do estado cambojano com o processo de transição do governo em 1980. Em 1992 a Autoridade de Transição das Nações Unidas no Camboja (United Nations Transitional Authority in Cambodia – UNTAC) assumiu temporariamente a autoridade no país até a organização de eleições livres em maio de 1993 e uma nova constituição ser adotada. Aproximadamente 23 agencias da ONU operam hoje diretamente no Camboja, contabilizando um gasto de aproximadamente US$ 100 milhões ao ano. (ONU, 2010)

Referências

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