segunda-feira, 18 de junho de 2012

O crime organizado e as Relações Internacionais

(Sara de Morais)

      O crime organizado atua nas mais diversas áreas das Relações Internacionais. Possui uma estrutura hierarquizada, com regras internas, tem uma estrutura de forma não planejada, e a maioria das organizações com esse modelo no cenário internacional formam uma rede e extremamente fortalecida pelo fator econômico. Esse tipo de crime é marcado pelo fato de ser prolongado e sistemático ao invés de uma atividade de natureza organizada, é seu envolvimento com poder, política e sociedade que o faz o que é, não a organização em si. Assim, o crime organizado pode ser compreendido como uma organização, cujo funcionamento é semelhante ao de uma empresa internacional, pratica uma divisão muito aprofundada de tarefas, todas concebidas de maneira metódica e duradoura, procurando obter lucros tão elevados quanto possível, cometendo infrações e participando da economia legal. Para isso, a organização recorre à violência, à intimidação, e tenta exercer sua influência na política e na economia.

Inicialmente, fatores como a desigualdade social e pobreza são fatores decisivos que levam a existência de grupos inicialmente desorganizados, mas que se organizam e formam associações criminosas. Conquistam dentro da sociedade, maior espaço e legitimidade para atuar. O afastamento do Estado da sociedade também contribui para que permite que essas organizações consigam dominar diversos setores, inclusive o econômico, ficando extremamente fortes. Determinadas organizações, como o Primeiro Comando da Capital e o Comando Vermelho, no Brasil, mantém conexões com os centros internacionais produtores de droga, como Bolívia, Colômbia, Paquistão e Afeganistão.

Na Europa e América do Norte, temos dois ambientes em que há grande consumo de drogas, embora isso também ocorra em outras regiões. A riqueza e o poderio dessas fazem com que a demanda de narcóticos seja alta e interesse outras áreas a produzir e transportar esses produtos. A forte repressão e fiscalização do tráfico dentro destes continentes dificultam a produção de droga nos mesmos, contudo, incentivam a rota internacional de narcóticos, como se pode notar até mesmos casos de submarinos utilizados para o transporte, como registrado na tráfico entre Colômbia e EUA.

Um grande empecilho do combate ao narcotráfico nos EUA é a autonomia dos seus estados-membros, isso impossibilita a centralização das decisões e legislações. Também as drogas tidas como medicinais (maconha, por exemplo) na Europa e nos EUA torna-se outro fator de peso que vai de encontro às barreiras impostas ao tráfico.

O crime organizado está vinculado a instituições políticas, pessoas e processos, e apenas pode sobreviver porque algumas atividades são proibidas e a busca por lucro tem proteção ou patrocínio de políticos, oficiais e policiais. A democracia e a mudança de economia planificada para a de mercado trouxe consigo um processo de criminalização nas esferas econômica e política. Esse processo ameaça a sobrevivência da democracia, também a competição aberta, o regime das leis, a legitimidade de instituições democráticas, a liberdade de participação e informação, o contorno do conflito de interesses, bem como outras instituições pertinentes a regimes democráticos.

Nos EUA, exaustivas evidências mostram a persistência de uma ligação próxima entre crime organizado e política desde a época da independência. Um estudo recente nos EUA mostra que a “tríplice aliança” (políticos, polícia e crime organizado), ainda existente, costuma ter sua iniciativa advinda dos políticos, de forma a estes tentarem controlar e cooptar as atividades criminosas.

O México oferece um caso mais consistente para refletirmos sobre a ligação entre crime e política num ambiente de transição para a democracia. A relação entre os dois depende de qual das duas forças é a dominante; ou os políticos manipulam os criminosos e os descartam quando não são mais necessários, ou o lado criminoso manipula os políticos para enriquecer e fornecer proteção. Esse modelo, conhecido como de “exploração da elite”, confere aos políticos a oportunidade de controlar o crime do alto; o padrão bem estabelecido “patrão-cliente” no país torna compreensível a criminalidade, embora esse padrão seja ameaçado de alguma forma pela democracia.

O caso italiano merece ser citado, recordando o vocábulo “máfia”, tomado como sinônimo de crime organizado. Apesar de sua diversidade, os grupos mafiosos têm memorável e duradoura relação com os políticos italianos em vários níveis. Surgidos na época da consolidação do Estado italiano os grupos da máfia se utilizaram de remanescentes estruturas feudais, cresceram portanto com relação ao Estado, em forma de poder paralelo, sendo, entretanto, complementar, e colaborando com ele. Aos políticos, os mafiosos ofereciam serviços e obtinham favores em troca, criando alianças baseadas em valores comuns entre ambos. Contudo, nas últimas décadas, as mudanças conjunturais trouxeram alterações na ordem das máfias, por exemplo, a duradoura associação entre o grupo “Cosa Nostra” e o partido Cristão Democrático (CD) se desfez, levando o crime organizado a apoiar, a partir de então, diversos partidos. A cultura da honra se desfez; a busca do lucro passou a trazer mais prestígio; desse modo, a subcultura compartilhada pelos dois grupos também sumiu.

Quanto ao crime transnacional, este parece ter ganhado mais atenção depois do fim da Guerra Fria. Sua expansão se dá paralelamente à da globalização econômica. A situação, ameaçadora para as democracias, inclusive as já consolidadas, é de tal modo que o poder político e econômico parece fluir dos governos ao redor do mundo para as mãos das corporações transnacionais de crime organizado. A tecnologia e o mercado global de drogas e dinheiro impedem os Estados de proteger suas sociedades de crime e criminosos. Hoje a questão é pertinente não só às agências de segurança e por transgredir a lei; concerne também aos planejadores militares.

O crime organizado nunca se afastará por completo, principalmente por ser protegido pelo meio político e por prover a demanda de bens e serviços não disponíveis de outro modo.

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