segunda-feira, 18 de junho de 2012

A Globalização e as cadeias produtivas internacionais

(Raisa Gaio)

A partir do final da década dos 70, foram intensas as modificações socioeconômicas relacionadas ao processo de internacionalização da economia mundial. É preciso enfatizar que esse processo não é novo. Mas ganhou características inusitadas e um assombroso impulso com o enorme salto qualitativo ocorrido nas tecnologias da informação. Essas mudanças permitiram a reformulação das estratégias de produção e distribuição das empresas e a formação de grandes networks. A forma de organização da atividade produtiva foi radicalmente alterada para além da busca apenas de mercados globais: ela própria passou a ser global.

A revolução tecnológica atingiu igualmente o mercado financeiro mundial, cada mercado passando a funcionar em linha com todos os outros, em tempo real. Isso permitiu a mobilidade de capital requerida pelo movimento de globalização da produção. Essas modificações radicais atingiram o modo de vida de boa parte dos cidadãos, alterando seu comportamento, seus empregos, suas atividades rotineiras de trabalho e seu relacionamento, por exemplo, com bancos e supermercados.

O capitalismo atual é alimentado pela força de suas contradições. De um lado, a enorme escala de investimentos necessários à liderança tecnológica de produtos e processos – e a necessidade de networks e mídias globais – continuará forçando um processo de concentração que habilitará como líderes das principais cadeias de produção apenas um conjunto restrito de algumas centenas de empresas gigantes mundiais. Essas corporações decidirão basicamente o que, como, quando, quanto e onde produzir os bens e os serviços (marcas e redes globais) utilizados pela sociedade contemporânea. Ao mesmo tempo, elas estarão competindo por redução de preços e aumento da qualidade, em um jogo feroz por market share e acumulação. Enquanto essa disputa continuar gerando lucros e expansão, parte da atual dinâmica do capitalismo estará preservada.

Simultaneamente, este processo radical em busca de eficiência e conquista de mercados força a criação de uma onda de fragmentação (terceirizações, franquias e informalização), abrindo espaço para uma grande quantidade de empresas menores que alimentam a cadeia produtiva central com custos mais baixos. Tanto na sua tendência de concentrar como na de fragmentar, a competição opera como o motor seletivo desse processo.

A outra contradição que alimenta o capitalismo contemporâneo é a dialética exclusão versus inclusão. Apesar do desemprego estrutural crescente (incapacidade progressiva de geração de empregos formais em quantidade ou qualidade adequadas), o capitalismo atual garante sua dinâmica também porque a queda do preço dos produtos globais incorpora continuamente mercados (inclusão) que estavam à margem do consumo por falta de renda. Não é à toa que alguns dos maiores crescimentos de várias empresas globais de bens de consumo têm sido registrados nos países periféricos da Ásia e da América Latina, onde se concentra grande parte do mercado dos mais pobres.

O mundo tem assistido, em todas as áreas econômicas, a um violento processo de fusões e incorporações motivado pela nova lógica competitiva, que pressupõe saltos tecnológicos e busca mercados cada vez mais globais. Tudo indica que a tendência de concentração dessas últimas décadas ainda persistirá, apesar de já serem em número muito restrito os líderes mundiais na fabricação de vários produtos em áreas fundamentais à economia contemporânea.

O movimento internacionalização do capital a que se convencionou chamar de “globalização” pode ser entendido por três processos interligados: a integração dos sistemas financeiros nacionais, a intensificação do comércio internacional, e a internacionalização da produção. Embora não seja um processo novo na história do capitalismo, a globalização foi intensificada no último quarto do século XX pela aceleração das mudanças tecnológicas, em especial aquelas relacionadas à informática e às telecomunicações, e pela rápida difusão do modelo de subcontratação de produção. (segundo Renato Baumann: "Economia Internacional", 1996) Esses fatores tornaram possível a terceirização internacional, ampliando as opções de subcontratação para além das fronteiras nacionais. Mais do que isso, representou a possibilidade das grandes corporações de ingressarem nos grandes mercados emergentes e de beneficiar-se de fontes de suprimentos a custos reduzidos, explorando os baixos salários de mão-de-obra qualificada nos países periféricos.

Com isso, a principal característica desse processo globalizante atual é o reforço dos vínculos de interdependência econômica entre empresas, e por extensão entre regiões e países tanto no âmbito produtivo – mediante realização de várias formas de networking, quanto no âmbito econômico. A esse processo de interdependência nas etapas de produção de mercadorias até sua distribuição nacional ou internacional que se nomeiam as Cadeias Produtivas Internacionais.

Conforme Hopkins e Wallerstein (1986), uma cadeia produtiva global para mercadorias pode ser definida como “uma rede de trabalho e processos produtivos cujo resultado final é uma mercadoria”. Para Rabach e Kim (1994), no caso das cadeias produtivas globais dominadas pelos compradores, o estado da arte permanece sub-sistêmico. Um produto inteiramente novo não representa necessariamente um salto tecnológico em relação ao anterior. A ligação à jusante com o setor de serviços seria a característica mais proeminente destas cadeias. Devido ao fato das redes de produção utilizar mercados globais, estas vantagens à jusante nas cadeias produtivas precisam para existir de uma perspectiva internacional. As firmas vencedoras nas cadeias produtivas globais dominadas pelos compradores devem manter múltiplas linhas de produto para obter economias de escala. Para estarem à frente do mercado, elas devem incessantemente modificar, atualizar e substituir sem hesitação cada uma de suas linhas de produto.

Dadas às diferenças regionais existentes dentro de países, estes não seriam a unidade mais apropriada de observação para se analisar a globalização da produção. A evolução do comércio internacional nas últimas três décadas do século XX caracterizou-se, entre outros pontos, pela formação de uma rede de relações comerciais entre firmas atravessando regiões e países. As verdadeiras unidades de comércio não são países, porém empresas e redes de empresas.

Nem todas as empresas atuam mundialmente, porém, as metas estratégicas das empresas, grandes e pequenas, tende a buscar uma maior comercialização onde for possível em todo mundo, tanto diretamente como através de suas conexões com redes que operam no mercado mundial, já que hoje o destino das empresas gira em torno do seu desempenho no mercado mundial.

O dinamismo dos mercados internos dependeria, em última análise, da capacidade das empresas do país e das redes de empresas para competir globalmente. Cada vez mais, a produção global de bens e serviços não é realizada por empresas multinacionais, porém por redes transnacionais de produção, das quais as redes multinacionais são componentes essenciais, porém componentes que não funcionam sem o resto da rede. Além das multinacionais, empresas médias e pequenas em muitos países tornam-se competitivas no sistema globalizado de produção através das cadeias produtivas. Com maior freqüência, as redes de empresas médias e pequenas se tornam sub-contratadas de uma ou várias empresas grandes. De acordo com esta visão, as multinacionais são, cada vez mais, redes internas descentralizadas, organizadas em unidades semi-autônomas, segundo países, mercados, métodos e produtos.

Para Gereffi a diferenciação entre internacionalização e globalização pode ser expressa da seguinte maneira, enquanto a primeira refere-se simplesmente à diversificação da atividade econômica em vários países, a última implica um grau de integração funcional entre estas atividades dispersas pelo mundo. Dessa forma conclui-se que a globalização econômica foi acompanhada da especialização flexível, ou do surgimento de novas formas de organização que muitas vezes são caracterizadas por, entre outros aspectos, pequenos lotes de produção.

A administração das cadeias produtivas é definida como “Maximização aliada ao valor e a redução de total de custos ao longo de todo processo, focando na velocidade e assertividade de resposta rápida às necessidades do mercado”. Ligado à globalização, a administração das cadeias produtivas se tornou uma ferramenta para empresas para competir de maneira efetiva tanto no nível local quanto em escala global. A administração das cadeias produtivas se tornou uma necessidade especialmente para a indústria manufatureira quando esta precisa distribuir seus produtos a preços competitivos no mercado e de qualidade superior aos seus concorrentes.

Não obstante, aliado à questão de regulamentação, a dinâmica das cadeias produtivas também tem impacto na capacidade de competir e na possibilidade de inserção em mercados globais e na possibilidade de upgrading, conforme sugerem diversos autores (Gereffi, 1994 e 2001)

Porter (1990) expõe que outro dilema que governos e empresas dos países em desenvolvimento enfrentam, é se devem adotar a estratégia de ser um fornecedor de peças para empresas estrangeiras ou procurar desenvolver uma estratégia global. Na prática a maioria dos países usa uma combinação das duas possibilidades, mas os pesos podem variar. Na moderna competição internacional, a empresa deve aumentar seletivamente suas vantagens ou compensar suas desvantagens da base nacional através de atividades em outros países. É disso que deveria tratar a estratégia global.

Há quem veja dicotomia entre as necessidades do país (e de seus cidadãos) e as necessidades das empresas. Se as empresas investem, ou se abastecem, no exterior, isto seria considerado prejudicial para o país. A globalização da estratégia e o abastecimento no exterior de produtos e componentes menos sofisticados seriam fundamentais para o processo de tornar as vantagens competitivas mais sofisticadas e aprimorar uma economia.

Numa economia, o processo de aprimoramento e a internacionalização não ameaçam os empregos locais, mas aumentam sua produtividade. A internacionalização também torna a economia menos sensível às taxas de câmbio. Segundo Schoenberger (1994), para que as empresas permaneçam efetivamente engajadas no mercado internacional, seria necessário também produzir no exterior. Esta necessidade seria justificada pelos obstáculos políticos e pela necessidade de responder rapidamente ao caráter específico e dinâmico da demanda nos mercados externos.

Contudo o contínuo avanço tecnológico global não parece estar garantindo que as sociedades futuras possam gerar, unicamente por mecanismos de mercado, postos de trabalho – ainda que flexíveis – compatíveis em qualidade e renda com as necessidades básicas da população mundial. A lógica da globalização e do fracionamento das cadeias produtivas incorporou parte dos bolsões de mão-de-obra barata mundiais sem necessariamente elevar-lhes a renda.

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